Ação Libertadora Nacional Nota: Não confundir com Aliança Nacional Libertadora.
A Ação Libertadora Nacional (ALN) foi uma organização de luta armada de esquerda no Brasil que enfrentou a ditadura militar brasileira instaurada em 1964. Formada em agosto de 1968, a organização era fruto de uma dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e foi a principal organização da esquerda armada no Brasil, destacando-se pela quantidade de membros que conseguiu incorporar.[1] Durante seus anos de atuação, a ALN realizou notórias ações de cunho radical, incluindo assaltos a bancos, com o intuito de financiar a guerrilha e sequestros de figuras públicas que tinham como objetivo a troca com militantes presos.[1] Contexto políticoApós o Golpe de Estado no Brasil em 1964, a instalação da ditadura fechou os espaços democráticos de manifestação e frustrou a expectativa de uma transformação pacífica da sociedade brasileira, levando à radicalização das posições de muitos militantes de esquerda.[2] Em maio daquele ano, Carlos Marighella foi baleado e preso por agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) dentro de um cinema no Rio de Janeiro. Por decisão judicial, foi libertado no ano seguinte e resolveu se engajar na luta armada contra a ditadura.[3] Em sua publicação chamada A Crise Brasileira, Marighella analisa a conjuntura nacional a partir da luta de classes e critica a linha pacífica do PCB, que então apostava na resistência por meio de greves gerais.[4][5] FormaçãoNo dia primeiro de dezembro de 1966, Marighella redigiu uma carta renunciando à Comissão Executiva Nacional do PCB onde ele argumenta que "é preferível renunciar a um convívio formal a ter de ficar em choque com a própria consciência".[6] Por essas divergências políticas, liderou junto com Joaquim Câmara Ferreira a formação da "Dissidência de São Paulo", uma ala do partido que defendia a luta armada.[7] Após a Conferência da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS), realizada em Havana em 1967, os dissidentes foram definitivamente expulsos, resultando na criação da Aliança Libertadora Nacional.[2][8] AtuaçãoDesde a sua formação, a ALN passou a realizar ações armadas com vistas à expropriação de armas e dinheiro para estruturar a guerrilha. Durante essa fase, manifestos e panfletos foram elaborados pelo grupo com o objetivo de explicar para a população o sentido das suas operações. A maioria deles foi espalhada nos próprios lugares onde aconteciam as ações. Em um dos panfletos, a ALN explica, em agosto de 1969, a necessidade das ações para criar infraestrutura e rejeita o conceito leninista do centralismo democrático, uma vez que a organização se definiu nos seguintes termos: "todos nós somos guerrilheiros, terroristas e assaltantes e não homens que dependem de votos de outros revolucionários ou de quem quer que seja para se desempenharem do dever de fazer a revolução."[9] O sentido político de tal procedimento era justificar que os roubos não eram crimes comuns e que possuíam um objetivo político claro, pois, ao justificarem tais atos, os militantes buscavam denunciar as atrocidades cometidas pela ditadura e argumentar quanto à escolha pela luta armada.[1] Essa tática fica evidenciada a partir do manifesto de 1968, chamado "Ao povo brasileiro".
SequestrosDos quatro sequestros de diplomatas realizados na história do país, a ALN participou na execução de dois. O primeiro, junto com o MR-8, foi o do embaixador estadunidense Charles Burke Elbrick, e o segundo foi o do embaixador alemão Ehrefried Von Holleben, que libertou 44 presos políticos.[8] Sequestro de Charles Burke ElbrickDentre os anos de atividade da ALN, o sequestro de Charles Burke Elbrick foi um de seus mais notáveis atos. Ele foi executado em 4 de setembro de 1969, terminando no dia 7 de setembro do mesmo ano, quando 13 presos políticos foram libertos, uma das exigências para a soltura do embaixador. O ato teve grande destaque na imprensa, divulgando a sigla da organização e a ideia da luta armada. O sequestroNo dia 4 de setembro de 1969 os 12 participantes da ação assumiram suas posições, José Sebastião Rios de Moura esperava pelo Cadillac do embaixador no início da Rua São Clemente. Assim que José nota o carro do embaixador, às 14:30, faz um sinal levantando, como previamente planejado pelos participantes, o jornal que segurava. Vendo o sinal, um fusca azul dirigido por Cid Benjamin ao volante e Franklin Martins no banco de passageiros, anteriormente estacionado na Rua Marques, finge manobrar a fim de parar, com sucesso, o Cadillac do embaixador. Com o Cadillac não podendo seguir em frente, outro fusca, desta vez vermelho, conduzido por Rios, com João Lopes Salgado e Vera Sílvia de Araújo Magalhães, que esperava na esquina da Rua Marques com a Humaitá, estaciona logo atrás do Cadillac impedindo também a fuga em marcha ré. Então, das calçadas, Paulo de Tarso Venceslau e Cláudio Torres da Silva, do lado esquerdo e Virgílio Gomes da Silva e Manoel Cyrillo de Oliveira Netto, do direito, tomam o carro do diplomata de assalto. Paulo de Tarso, entrando pela porta direita da frente, rende o motorista. No volante, fica Cláudio Torres. Atrás, Virgílio Gomes da Silva senta-se à direita do embaixador e Manoel Cyrillo à esquerda. Então, os três carro saem do local, dão a volta no quarteirão, pegam a Rua Humaitá, avançam até a Rua Vitório Costa, onde uma Kombi verde com Sérgio Rubens de Araújo Torres ao volante os esperou para assumir a ponta do comboio de 4 carros.[10] O comboio chega a Rua Maria Eugênia com a Caio de Melo Franco e para ali. Acreditando que será morto, Elbrick se agarra a arma de Virgílio e, para não ocorrerem acidentes, Manoel Cyrillo desfere uma coronhada na testa do embaixador, que não desmaia mas se acalma em relação ao estado anterior. Elbrick é transferido para a Kombi, onde é coberto por um tapete, Sérgio Rubens deixa a Kombi e sai do local a pé e Cláudio Torres sai do Cadillac e assume a direção da Kombi. O Cadillac é então deixado. No banco traseiro ficam o motorista e um manifesto que fazia duas exigências para a libertação do embaixador: o manifesto ser publicado nos jornais e a troca do embaixador por 13 presos políticos. Também foi abandonado o fusca azul, com seus ocupantes remanejados para a Kombi e um Fusca bege ali estacionado.[10] A fugaA Kombi e os Fuscas seguiram pela pela avenida Jardim Botânico, passaram pelo túnel Rebouças, túnel este que pouco tempo tempo depois seria fechado pela polícia e, por volta das 14h55min, a Kombi se escondeu na garagem do sobrado número 1026 da Rua Barão de Petrópolis, bairro de Santa Tereza, onde Fernando Gabeira e Joaquim Câmara Ferreira estavam esperando. Os dois Fuscas, o bege e o vermelho, seguiram por outros caminhos. O decorrer dos dias e libertaçãoDurante todos os dias, o embaixador não sofreu nenhuma agressão, com exceção da coronhada. Ele ficou em um quarto no sobrado de 16 cômodos, o qual era vigiado 24 horas todos os dias por uma perua Rural Willys do Centro de Informações da Marinha (Cenimar). A soltura do embaixador foi tensa. Por volta das 6 horas da tarde do dia 7 de Setembro, o mesmo Fusca vermelho usado na captura do embaixador foi à rua Barão de Petrópolis. O motorista Cid Benjamin para o carro a poucos metros do túnel Rio Comprido, fora do campo de visão dos agentes do Cenimar. Ao mesmo tempo, dois outros Fuscas, um bege e outro branco, pararam em frente ao sobrado. João Salgado, Franklin Martins e Manoel Cyrillo entram na casa e de lá saem carregando uma sacola com uma metralhadora INA, bombas e revólveres e entram no Fusca vermelho. Ao mesmo tempo saem também Cláudio Torres, Fernando Gabeira e Paulo de Tarso Venceslau. Torres toma a direção do Fusca branco, Gabeira senta no banco traseiro e Paulo de Tarso assume o volante do Fusca bege. Os outros integrantes deixam a casa com Elbrick. Contudo, os homens do Cenimar notaram a presença do embaixador. Virgílio e Elbrick entram no Fusca branco, enquanto Joaquim Câmara entra no bege. Os dois Fuscas arrancam e a Rural Willys parte seguindo-os. O terceiro Fusca, vermelho, segue a Rural, sem que os agentes do Cenimar o percebam. Quando os 4 veículos, em alta velocidade, entram na rua da Estrela, a Rural derrapa e seus ocupantes se dão conta de que estão sendo seguidos. Logo entram na rua Aristides Lobo e o Fusca vermelho fica emparelhado com a Rural. Cyrillo, então, aponta a metralhadora para os militares. Virando na primeira rua, os agentes fogem. Pouco tempo depois Elbrick é deixado no Lago da Segunda Feira e volta para casa, levando um presente: um livro de poemas de Ho Chi Min.[10] Repercussão do sequestroDepois do sequestro, houve muitos desaparecimentos e mortes. Já que, após o caso, a Junta Militar editou o Ato Institucional 13, que trouxe o “banimento do território nacional de pessoas perigosas para a segurança nacional”, e o Ato Institucional 14, que admitiu a aplicação da pena de morte ou prisão perpétua em casos de “guerra externa, psicológica adversa, revolucionária ou subversiva”.[11] De todos os doze participantes, oito foram presos. Virgílio Gomes da Silva e Joaquim Câmara Ferreira morreram torturados na prisão. Ficaram livres, Franklin Martins, que foi o autor do manifesto, José Sebastião, João Lopes e Sérgio Torres. Os motivosPara entendermos os motivos do sequestro precisamos fazer uma breve análise do estado político da época. O Brasil sofria imensamente devido a ditadura imposta em 1964, por razões que vão desde tortura[12][13] e assassinatos até a censura a mídia, uma época onde não existia o Congresso Nacional, onde opositores do governo eram caçados e a democracia como a conhecemos hoje não era implementada. Portanto o sequestro do embaixador dos EUA, apesar de violento, foi um ato de resistência a um governo muito mais violento, foi um ato de resistência bem sucedido, já que a censura foi quebrada em um tempo notável e tanto os integrantes do sequestro quanto a ALN puderam expor seus ideais e motivos em um manifesto publicado no dia seguinte ao do sequestro. O manifesto:
RepressãoMarighella foi morto em uma tocaia montada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos principais torturadores da ditadura, no dia 4 de novembro de 1969, em São Paulo, na alameda Casa Branca.[14] Joaquim Câmara Ferreira (o "Velho" ou "Toledo"), jornalista e ex-membro do PCB desde a década de quarenta, dirigiu a ALN a partir daí até a sua morte, em 23 de outubro de 1970, quando foi delatado por José Silva Tavares, o "Severino", que teria sido torturado após ser preso. Joaquim Câmara foi torturado até a morte pelo Delegado Fleury e membros de sua equipe.[15] Em 1970, Eduardo Collen Leite (codinome Bacuri), um importante membro da ALN, foi preso pela equipe do delegado Fleury e morreu após 109 dias de confinamento.[16] Em 1971, um grupo de dissidentes que havia efetuado treinamento de guerrilha em Cuba criou o Movimento de Libertação Popular (Molipo). A maior parte de seus militantes da linha de frente foi morta até 1974 e depois disso a ALN apenas sobreviveu ao cerco montado pela repressão. O último comandante militar da ALN, após a morte de Marighella foi Carlos Eugênio Paz, conhecido por Clemente nos tempos de guerrilha. Por ser o homem mais procurado pela repressão, exilou-se na França em 1973 e viveu por lá até 1981. Foi também um dos poucos integrantes da luta armada que sobreviveu sem nunca ter sido preso ou torturado, e um dos últimos brasileiros anistiados, em maio de 1982. Até outubro de 2009, havia publicado os livros "Nas trilhas da ALN" e "Viagem à Luta Armada", falecendo em 29 de junho de 2019. As dissidências da ALNEm 1971 surgem duas dissidências da ALN que teriam vida efêmera e contingentes reduzidos: o Movimento de Libertação Popular (Molipo)[17] e a Tendência Leninista (TL). O Molipo foi extinto com a prisão, torturas ou ainda com a execução sumária da maioria de seus membros, entre os quais destacaram-se líderes estudantis paulistas como Antonio Benetazzo, José Roberto Arantes de Almeida e Jeová Assis Gomes. Ver tambémReferências
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