Congresso Internacional da PazO Congresso Internacional da Paz foi um encontro antimilitarista realizado entre os dias 14 e 16 de outubro de 1915 na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. O congresso foi convocado pela Confederação Operária Brasileira (COB) após a proibição de um encontro homólogo que deveria ocorrer entre os dias 30 de abril e 2 de maio em El Ferrol, na Espanha. ContextoCom a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o movimento operário e socialista europeu se dividiu entre aqueles que apoiaram os esforços de guerra de suas respectivas nações e os que sustentaram uma firme posição internacionalista e antimilitarista. A maior parte dos partidos socialistas e social-democratas da Segunda Internacional aderiram aos governos de seus países usando o nacionalismo como justificativa para aprovar os créditos de guerra, e também apoiaram uma trégua civil entre governos e sindicatos para evitar greves e convulsões sociais durante o conflito, como a Burgfrieden na Alemanha e a Union Sacrée na França. Já a maioria dos anarquistas e sindicalistas revolucionários denunciaram o caráter imperialista da guerra e insistiram no internacionalismo e na solidariedade de classe, que consideravam estar acima dos interesses defendidos pelos governos nacionais, e propunham medidas para boicotar os esforços de guerra.[1][2] O congresso de El FerrolConsiderando a necessidade de tomar medidas concretas contra a guerra, anarquistas e sindicalistas da Espanha trataram de organizar um congresso antimilitarista internacional. A convocatória foi lançada pelo Ateneo Obrero Sindicalista de El Ferrol em 26 de fevereiro de 1915, buscando reunir organizações operárias de diferentes países para discutir meios efetivos de se opor à guerra. A Espanha era um país neutro e o encontro ocorreria entre os dias 30 de abril de 2 de maio.[3][4] A adesão de grupos e organizações dos países ibéricos ao congresso foi predominante, mas Argentina, Brasil, Itália, Inglaterra e França também deveriam enviar representantes.[5] Às vésperas do encontro, porém, o governo espanhol proibiu a sua realização, interceptando correspondências e expulsando de seu território os delegados estrangeiros.[4] Delegados da Inglaterra e da França foram proibidos de saírem de seus países e as autoridades espanholas também impediram o desembarque de um delegado italiano. Contudo, alguns delegados que já se encontravam em El Ferrol se reuniram de forma clandestina no dia 29 de abril, entre os quais o português Aurélio Quintanilha,[6][nota 1] representando as Juventudes Sindicalistas de Portugal e da França, e o galego Antonio Vieytes, representando a Confederação Operária Brasileira (COB).[5] Os delegados aprovaram a criação de um Comitê Permanente sediado em Lisboa e que deveria publicar manifestos a serem distribuídos entre os soldados dos países beligerantes, no intuito de provocar a indisciplina e a rebelião entre as tropas. Ainda deliberaram sobre a articulação de uma federação ibérica, que deveria ser o embrião de uma nova internacional operária.[7] Na madrugada do dia 30, agentes policiais invadiram os hotéis e prenderam os delegados portugueses, que foram embarcados em um trem e enviados à fronteira. José López Bouza, um dos organizadores do congresso, foi detido junto ao eloquente militante catalão Eusebi Carbó. Vieytes foi levado até Vigo e embarcado em um navio para o Brasil.[7] Outro delegado da COB, João Castanheira,[nota 2] também foi expulso do país e chegou a ser dado como morto, gerando protestos por parte da imprensa operária. O fato foi posteriormente esclarecido quando se soube que ele estava em Portugal.[8] Mesmo após a expulsão e prisão de boa parte dos delegados, alguns deles ainda conseguiram se reunir e deliberaram sobre questões relativas ao movimento anarcossindicalista espanhol. Foi aprovada uma proposta de Ángel Pestaña de rearticular publicamente a Confederación Nacional del Trabajo (CNT), que naquele momento atuava de forma semiclandestina. Também decidiram tornar o periódico Solidaridad Obrera em um diário.[9] O congresso do Rio de JaneiroAo receberem a notícia da proibição do congresso em El Ferrol, militantes operários do Brasil propuseram a realização de um evento homólogo no Rio de Janeiro. A iniciativa foi impulsionada pela COB, que no dia 29 de junho lançou um manifesto às associações operárias e grupos internacionalistas do Brasil e do exterior, convocando-os para o Congresso Internacional da Paz, que ocorreria entre os dias 14 e 16 de outubro de 1915. Astrogildo Pereira e Antonio Vieytes ficaram encarregados da organização do congresso.[10] A presença de Vieytes acabou estabelecendo uma continuidade entre o congresso de El Ferrol e o que seria celebrado no Rio de Janeiro.[11] A convocatória ao congresso fazia uma apelo aos diferentes grupos políticos e sindicais do mundo inteiro, visando a união das forças operárias contra a guerra:
As contingências impostas pela guerra dificultaram a vinda de delegados ao Rio de Janeiro. Contudo, o relatório da comissão organizadora informou a presença de 20 delegações do exterior, vindas da Argentina, Portugal, Itália, Espanha e Estados Unidos. Do Brasil, se fizeram presentes 25 entidades dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Alagoas e Minas Gerais, além de algumas adesões pessoais e da imprensa.[nota 3] Na abertura do evento, a comissão organizadora declarou que "esta assembleia, reunida, apesar de tudo, em meio ao descalabro causado pelo monstruoso crime guerreiro, é uma prova evidente de que as aspirações e os sentimentos do proletariado revolucionário não se acham mortos nem apagados". Vieytes ressaltou o caráter internacionalista do encontro, ao afirmar que "a Confederação Operária Brasileira acordou celebrar um Congresso Internacional da Paz, não como objeto exclusivo de terminar a guerra, mas para afirmar que a Internacional dos Trabalhadores não morreu".[10] O congresso ocorreu na sede da Federação Operária do Rio de Janeiro (FORJ),[14] onde os delegados presentes puderam expor seus pontos de vista sobre a guerra. Apolinario Barrera, delegado da Federação Operária Regional Argentina (FORA), considerou que se tornava "mister que o Congresso da Paz veja qual o meio a adotar para terminar com a guerra, pois que o simples pedido às nações beligerantes nada adiantaria”, sugerindo o boicote como "o meio melhor, mas assim mesmo improfícuo porque não poderia atingir a todas as nações”. Bautista V. Mansilla, também delegado da FORA, proferiu um "longo discurso antimilitarista", onde atacou a guerra e condenou a destruição das obras de arte, “como ora se tem feito na Europa, destruindo assim a obra do operário, que anônimo, faz trabalhos grandiosos, que muitas vezes batiza com seu sangue”.[10] Florentino de Carvalho apresentou uma moção propondo uma série de medidas que poderiam ser tomadas contra a guerra, entre as quais: a propaganda em favor de uma greve geral de protesto contra a guerra; o boicote e a sabotagem contra as empresas e os patrões que contribuíssem para a manutenção da guerra; manifestações contra as embaixadas, legações ou consulados dos países em conflito; declarar oposição aos "princípios estatais" e à todas as religiões e seitas, incluindo o catolicismo, o positivismo e a maçonaria; banir "do seio da humanidade" todas as doutrinas que defendem ou toleram o "regime de desigualdade social e da guerra".[14] A moção de Florentinho de Carvalho gerou intenso debate até ser aprovada por unanimidade no dia 16 de outubro.[10] Assim, o congresso concluiu que "só do proletariado poderá partir uma ação decisiva contra a guerra, por se ele que proporciona os elementos necessários aos conflitos bélicos, fabricando todos os instrumentos de destruição e morte e fornecendo o elemento humano para servir de carne para canhão", e que caberia ao movimento operário responder à guerra com a greve geral revolucionária, o boicote e a sabotagem contra os elementos que contribuíam para sustentá-la. A necessidade de uma propaganda sistemática contra o nacionalismo, o militarismo e o capitalismo, "cujo regime é o causador principal das guerras", também foi reforçada.[15] O congresso também deliberou pela criação de um Comitê de Relações Internacionais, que seria sediado no Rio de Janeiro e teria como objetivo a formação de uma confederação sindical sul-americana, buscando a criação de uma associação mundial de trabalhadores.[16] No dia 17 de outubro, após o fim do congresso, os operários realizaram um grande comício no Largo de São Francisco de Paula. A manifestação contou com a participação de oradores brasileiros, argentinos, espanhóis e portugueses. Florentino de Carvalho foi o último a discursar, proferindo palavras de ordem que refletiam as motivações do congresso: “Abaixo a guerra! Viva a solidariedade dos trabalhadores de todo o mundo! Viva a Revolução Social!”.[10][14] Aproveitando a presença de militantes da Argentina e de outros estados no Rio de Janeiro, os anarquistas se reuniram entre os dias 17 e 19 de outubro na sede do Centro de Estudos Sociais e realizaram um Congresso Anarquista Sul-Americano, onde buscaram definir estratégias comuns para o contexto regional.[17] ResultadosO Congresso Internacional da Paz contribuiu para reforçar os laços solidários entre as diversas organizações classistas e revolucionárias do mundo, em especial aquelas da América do Sul e da Península Ibérica.[10] Suas resoluções, porém, tiveram pouco efeito prático. Portugal entrou na guerra em março de 1916, impedindo o funcionamento do Comitê Permanente estabelecido após o encontro de El Ferrol. Em outubro de 1917, o Brasil também anunciou sua entrada no conflito. A declaração de guerra foi seguida por um estado de sítio e as autoridades fecharam diversas organizações operárias. Os intentos de organização internacional dos anarquistas e sindicalistas ibéricos e sul-americanos progrediram apenas após o fim da Primeira Guerra Mundial, com a fundação da Federação Anarquista Ibérica (FAI) em 1927 e da Asociación Continental Americana de Trabajadores (ACAT) em 1929.[18] RepercussãoAs reuniões e manifestações dos trabalhadores durante o congresso foram bem registradas pela imprensa da época. O Jornal do Brasil cobriu os três dias do encontro, publicando discursos, moções e representações. Também o periódico A Época, do Rio de Janeiro, registrou o evento em suas páginas.[10] Os periódicos anarquistas e socialistas do Brasil e do exterior repercutiram o encontro de forma positiva. O semanário anarquista Na Baricada afirmou que o congresso "foi um fato acima da expectativa" que demonstrou que o “pendão do internacionalismo continuava sendo empunhado pelo proletariado”.[14] O diário anarquista La Protesta, de Buenos Aires, publicou em sua primeira página uma crônica com uma avaliação positiva do evento, enquanto o jornal socialista italiano Avanti! estampou a reportagem “Per um congresso a Rio in favore della pace”.[10] Notas
Referências
Bibliografia
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