Língua uaimiri-atroari
A Língua waimiri-atroari é uma língua do tronco linguístico Caribe, mais especificamente da família Yawaperí, sendo a única representante desta. A língua atualmente mais próxima seria o Macuxi, da família Pemón. A língua é falada pelo povo indígena que habita a Área Indígena Waimiri-Atroari, localizada no Sudeste do estado brasileiro de Roraima e no Nordeste do estado brasileiro do Amazonas.[2] O povo Waimiri-Atroari se autodenomina kinja (gente verdadeira), em oposição a kaminja, utilizado para os não indígenas. Todos os membros da comunidade (crianças, adultos e idosos) falam a língua Waimiri-Atroari, com pouco bilinguismo em português.[3] Apesar disso, a classificação da situação da língua é variável, sendo classificada como vulnerável pela UNESCO[4] e como estável pelo Ethnologue.[5] Em 2023, foi declarada língua oficial do Amazonas, juntamente com outras 15 línguas indígenas.[6] LínguasOs Waimiri-Atroari são um único grupo étnico[7] e apresentam duas principais variações dialetais: o Waimiri e o Atroari. A comunidade de falantes do Atroari pode ser encontrada na região do Rio Alalau, enquanto os falantes de Waimiri encontram-se mais ao sul da Terra Indígena, em aldeias como Mynawa, Karebi, Syna, Pardo, Arine, Cacau, Curiaii e Mare.[7] Comparação Linguística
FonologiaConsoantesFonemas consoantais em Waimiri-Atroari[8]
VogaisFonemas vocálicos em Waimiri-Atroari[8]
Transformações fonéticasO fonema /p/ pode ocorrer em algumas ocasiões em variação livre com /b/ e /m/[8], assim como o fonema /b/ também pode ser encontrado em variação livre com /m/, apesar de serem segmentos distintivos, como demonstrado pelos pares mínimos:
Variação livre de /p/~/b/, /b/~/m/ e /p/~/m/:
O mesmo ocorre entre os fonemas /ʃ/ com /h/ e /s/ e entre /h/ e /s/:
AcentoO estresse normalmente ocorre na última sílaba das palavras, mas não é uma característica contrastiva no Waimiri-Atroari[8]. Palavras com mais de duas sílabas podem ter estresse primário ou secundário, enquanto sílabas com vogais longas e vogais glotalizadas recebem necessariamente acento.
OrtografiaHistória da escritaAté muito recentemente, a língua Waimiri-Atroari não era escrita. Em 1985, um grupo de missionários conhecido como CIMI (Conselho Indígena Missionário) entrou em contato com uma aldeia e o casal Egydio e Dorothy Schwade desenvolveu uma proposta de ortografia baseada no alfabeto latino. Utilizaram como base teórica seus estudos linguísticos e, portanto, não registraram vogais longas. Também ensinaram cerca de 20 indígenas a ler. Em 1986, outro casal missionário da MEVA (Missão Evangélica da Amazônia), Joseph e Tamara Hill, continuou o trabalho na mesma aldeia. Fizeram uma descrição preliminar da fonologia Waimiri-Atroari e propuseram outro sistema de escrita, que divergia do anterior na representação da semivogal /j/ e da vogal central alta /ɨ/. Em 1994, os Waimiri-Atroari decidiram investir na formação de professores nativos, já que os professores não-nativos tinham muitos problemas com a língua e não permaneciam nas aldeias por muito tempo. Em 1995, o sub-programa educacional Waimiri-Atroari e a comunidade decidiram fazer algumas mudanças na ortografia, configurando o atual sistema de escrita da língua[8][9]: Evolução da escrita Waimiri-Atroari
GramáticaAs palavras do Waimiri-Atroari podem ser divididas em seis classes: adjetivos, verbos, advérbios, posposições, partículas e nomes (incluindo os pronomes).[8] NomesSão as palavras que identificam pessoas, lugares ou objetos, no geral. Recebem afixos para indicar posse e outros afixos derivacionais como verbalizador -ta, devaluativo -eme, etc. Não flexionam em gênero, número ou grau.[8] Além disso, é possível notar uma diferença na fala de homens e mulheres, principalmente para termos de parentesco:
PronomesOs pronomes são uma subclasse dos nomes e podem ser subdivididos em demonstrativos, interrogativos e pronomes pessoais. As características distintivas deles são animacidade e distinção dêitica (distância a um ponto de referência), além da visibilidade[8].
PosseA posse no Waimiri-Atroari é feita a partir da adição de prefixos relacionais aos nomes possuídos, que podem ser de natureza alienável, inalienável ou nunca possuídos.[8] A alienabilidade é caracterizada por uma relação entre dois constituintes, em que se determina a possibilidade de dissociar uma qualidade de seu dono. Nomes inalienáveis, como termos de parentesco ou partes do corpo necessariamente precisam ser marcados por um prefixo relacional de posse (e.g. “minha mãe”, “seu pé”), ao passo que os nomes alienáveis podem aparecer isolados ou não (e.g. livro, meu livro). Nomes nunca possuídos, como elementos da natureza, não podem nunca receber esses prefixos de posse, aparecendo sempre de forma isolada. O Waimiri-Atroari faz a distinção entre as formas de plural inclusivo e exclusivo. Além disso, também marca uma forma reflexiva de terceira pessoa (e.g. “casa dele mesmo”). A ordem de marcação de posse é obrigatoriamente possuidor-possuído.[8]
Além disso, caso o nome possuído comece com vogal e seja imediatamente precedido por seu possuidor, recebe o prefixo relacional “i-”:
Morfemas derivacionaisOs substantivos podem receber vários sufixos, como:
'O homem morreu'
'Meu pai é alto' AdjetivosAo contrário da maioria das outras línguas Caribe, que representam os adjetivos como substantivos, o Waimiri-Atroari possui a classe gramatical dos adjetivos bem estabelecida. Apenas esses podem receber o sufixo enfático -pa e não podem receber o sufixo -my, de ausência.[10]
bahinja~baxinja (criança, pequeno, pouco)
PartículasPartícula "ram"A partícula ram é utilizada para identificar constituintes, separando o primeiro constituinte (seja ele um SN, SV ou SP) do resto da oração. Embora sua ocorrência seja registrada, não há estudos linguísticos o suficiente para determinar sua função semântica.
Partícula "ka"A partícula evidencial "ka" é utilizada para expressar a evidencialidade na língua, ou seja, que a informação relatada foi presenciada pelo falante ou tem base o suficiente para ter sua veracidade atestada. É utilizada quando não há dúvida sobre o que se está falando. A evidencialidade no Waimiri-Atroari não é morfológica como em outras línguas, como a língua Tukano, sendo possível a omissão desta.
A evidencial "ka" só pode ser utilizada após o primeiro constituinte de uma oração, assim como a partícula "ram". VerboTempo e aspectoOs marcadores de tempo e aspecto são indispensáveis na formação dos verbos em Waimiri-Atroari. Eles sempre aparecem como sufixos. A conjugação de “passado” nessa língua pode ser subdividida em quatro; passado remoto -pa, passado recente (no mesmo dia ou dia anterior) -piany, passado imediato (algo que acabou de ocorrer) -pia e um passado não especificado -ky. A marcação de “futuro” pode ser subdividida em dois: futuro iminente -te/txe e remoto -tape/txape. Além disso, o Waimiri-Atroari possui cinco sufixos, -e, -ia, -sa, -sapa e -pysa, que denotam “não-passado”. No entanto, a distinção entre eles ainda não é clara.[8]
Não-passado:
Aparentemente, não existe distinção entre os exemplos acima de não-passado, todos denotam uma ação em curso. ModoImperativoO imperativo do Waimiri-Atroari se dá pelo uso de três sufixos: -ky, -hne e kwapy, embora os dois últimos aparentem ter uma distribuição mais restrita, sendo principalmente utilizados com os verbos falar, ouvir e ver.[8]
O imperativo negativo é formado com a utilização do sufixo kwe’ky:
NegaçãoA negação em Waimiri-Atroari ocorre por meio dos sufixos -huwa e -ha (este último sendo utilizado em verbos cujo núcleo termina na vogal “a”). Os sufixos são sempre posicionados após o núcleo verbal.[8]
'Eu não quero comer galinha’
'Não quebre o arco!’ InterrogativoHá um clítico -e’, que pode (ou deve) ser adicionado ao fim da última palavra de uma frase. O clítico é opcional em perguntas de “sim ou não”, mas obrigatório nos outros tipos de questionamentos.[8].
Concordância verbalOs verbos podem ser classificados em transitivos, intransitivos e de ligação. Verbos transitivos são definidos como aqueles que necessitam de um complemento, um objeto direto, e podem ter prefixos de A (sujeito de verbo transitivo) e O (objeto de verbo transitivo). Verbos intransitivos são aqueles que apresentam apenas sujeito (S), sem um objeto. Estes apresentam apenas um grupo de marcadores pessoais[11]. Prefixos de concordância verbal
Nota: As formas w-, m-, n- e h- ocorrem com verbos com radicais que começam com vogais e wy-, my-, ny- e hy- com os que começam com consoantes. As formas wu-, mu-, nu- e hu- apenas aparecem em verbos com radicais que começam com bilabiais.
‘Eu vi ele.’
‘Você viu ele.’ No entanto, quando a terceira pessoa atua sobre a primeira ou segunda pessoa, os prefixos ainda concordarão com a primeira e segunda pessoa, nesse caso como prefixos de objeto.
‘Ele me viu.’
‘Ele viu você.’ ReduplicaçãoA reduplicação acontece com propósito semântico de repetição (fazer várias vezes) ou continuação (continuar fazendo). Tem que ser bimoraica, duplicando as primeiras duas moras da raiz do verbo ou do verbo mais o prefixo[8] myryka-ky → myry-myryka-ky 'Misturar bem várias vezes.' n-aryme-pa → nary-naryme-pa 'Eles voltaram várias vezes.' SentençaAlinhamentoO Waimiri-Atroari é uma língua com sistema parecido com o ativo-estativo, em que é possível identificar aspectos do sistema ergativo-absolutivo simultaneamente com o sistema nominativo-acusativo[12]. O sistema nominativo-acusativo marca o agente dos verbos transitivos (A) e o sujeito dos verbos intransitivos (S) do mesmo modo e o objeto de um verbo transitivo (O) de outro modo. Já o sistema ergativo-absolutivo marca S e O do mesmo jeito e A de outro[11]. Van Valin[13] realizou uma análise de línguas que também têm sistema “split-S” (também chamado de alinhamento ativo-estativo) e descreveu as situações em que o sistema nominativo-acusativo e o ergativo-absolutivo ocorriam. De acordo com seu trabalho, os verbos intransitivos que são semanticamente “ativos” (denotam atividade) eram marcados como A e os “estativos” (denotam estados) como O. Apesar disso, o sistema utilizado no Waimiri-Atroari parece não respeitar totalmente esse critério, já que não apresenta uma base semântica bem definida para realizar a distinção entre as duas subcategorias dos verbos intransitivos. Gildea[14] afirma que o atual sistema do Waimiri-Atroari é um reflexo de um sistema “split-S” reconstrutível do Proto-Caribe e que houve uma tendência de mudança para o nominativo-acusativo, muito provavelmente por causa do português.[12]
Ordem da fraseEm Waimiri-Atroari, o núcleo da sentença é predominantemente localizado à direita de um constituinte em um sintagma nominal, verbal ou posposicional. A ordem é obrigatoriamente possuidor-possuído e é o nome possuído que recebe marcação morfológica de posse (marcação do núcleo)[11].
'Duas pessoas pescaram apenas quatro peixes.'
Frequência de ocorrência de cada ordem dos constituintes
Aissen (1992:43) afirma que, nos casos em que há dois SNs antes do verbo, como nos casos de SOV e OSV, ocorre o foco de um e a topicalização do outro. Ela demonstrou que a posição do foco é pré-verbal e a topicalização é inicial. Em Waimiri-Atroari, os elementos do tópico tendem a serem apresentados em posição inicial, fazendo com que as informações novas sejam deslocadas para a direita[11].
tapesa kixinja weiaky tyiyry no'mpa tapiwutape ta no'mpa ‘Tyiyry mergulhou na praia rasa do lago Tapiwutape’
tyiyry iyhia ierekytypa xiriminja 'Xiriminja cortou o cabelo de Tyiyry.'
O mesmo ocorre nos exemplos abaixo. Em 2a, o sujeito ianana ‘Ianana’ e o objeto tahkome ‘ancião’ foram introduzidos pela primeira vez, na ordem neutra SOV. Nas frases 2c e 2d, o SN tahkome já é considerado uma informação conhecida, assim, o SV em que ela ocorre é topicalizado.
'Ianana matou os anciãos por causa dos periquitos.'
'Muitos anciãos escalaram a árvore kamakaxi para matar o periquito.'
'Então Ianana encontrou os anciãos matando periquitos.'
'Então Ianana atirou no olho dos anciãos.'
Amostra de textoHistória tradicional dos Waimiri-Atroari, contada pelo pajé Dauna, na aldeia de Kaminjanyty[8]: Tapesa kixinja weiaky Tyiyry no’mpa Tapiwutape ta no’mpa. Syna iapo’o Tyiyry iyhia ierekytypa Xiriminja. Aminjaky iakypa Xiriminja nynypykwapa Amehepie’ taka njawa nympa waha kipety tarara many kipety wiwe pyrykia pa waha. Kinja pyruwa ke nitxikwapa. Paryna Xiriminja pykwapa iakypa Maiahka nitxikwapa ampa kinja many. Maiahka Xiriminja iyhy iaapa itxi taka. Kytahkypa Xiriminja iee iaapa iakypa iee wepy irypa wymy idatypyme. Tyiyry araky nyryna kyyky ta na. Tyiyry mergulhou na praia rasa do lago Tapiwutape. Dentro do rio, Xiriminja cortou o cabelo de Tyiyry. Mais tarde, Xiriminja apareceu na aldeia Amehepie’. Choveu muito, com muitos trovões e raios. O vento também derrubou muitas árvores. As pessoas atiraram com flechas. Depois que Paryna atirou e acertou Xiriminja, Maiahka também o acertou, e outras pessoas também. Maiahka levou a cabeça de Xiriminja para a floresta. Depois que os dentes de Xiriminja putrefaram, Maiahka pegou seu dente e fez um pente para tirar piolhos. Hoje, Tyiyry está vivo embaixo do rio. Referências
Ligações externas
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