Carlos II da Romênia
Carlos II (Sinaia, 15 de outubro de 1893 – Cascais, Estoril, 4 de abril de 1953), foi o Rei da Romênia de 1930 até sua abdicação forçada em setembro de 1940. O filho mais velho do rei Fernando I da Romênia e de sua esposa, a princesa Maria de Saxe-Coburgo-Gota, tornou-se príncipe herdeiro após a morte de seu tio-avô, o rei Carlos I em 1914. Ele foi o primeiro dos reis Hohenzollern da Romênia a nascer no país; ambos os seus antecessores nasceram na Alemanha e só vieram para a Romênia quando adultos. Foi o primeiro membro da família real que falava romeno como sua língua primeira, e também o primeiro membro da família a ser batizado e criado na fé ortodoxa.[1] BiografiaFamília e vida pessoalCarlos nasceu no Castelo de Peleş, durante o reinado de Carlos I. Ingressou no exército real romeno em 1908 com o posto de Alferes, alcançando o rank de General em 1923 e posteriormente de Marechal em 1930. [2] Em novembro de 1914, pouco depois de completar 21 anos, passou a ocupar uma vaga no senado romeno — privilégio constitucional dos herdeiros presuntivos da coroa quando atingiam a maioridade.[3][4] Conhecido mais pelas desventuras românticas do que por sua capacidade de liderança, Carlos casou-se em 31 de agosto de 1918 na Catedral de Odessa, na Ucrânia, com Joana Maria Valentina Lambrino, conhecida pelo apelido de Zizi, filha de um general romeno.[5] Esta união contrariava as leis romenas para casamentos reais, que proibiam o casamento de reis e príncipes herdeiros com mulheres de origem romena.[5] O casal teve apenas um filho, Mircea Gregor Carol Lambrino, e o casamento foi anulado por decisão do tribunal de Ilfov em 1919. Casou-se novamente em 10 de março de 1921, em Atenas, com Helena de Grécia e Dinamarca, filha de Constantino I da Grécia e de Sofia da Prússia.[6] O casamento logo entrou em colapso devido ao envolvimento extraconjugal de Carlos com a católica Elena "Magda" Lupescu, filha de pai judeu e mãe católica romana,[7] que já havia sido casada com um oficial do exército.[8][9] Como consequência do escândalo, Carlos renunciou aos seus direitos ao trono em 28 de dezembro de 1925, em favor do príncipe Miguel (Mihai),[10] seu filho com Helena, que tornou-se rei em julho de 1927. O Partido Nacional Camponês (PNŢ), de oposição ao governo, não aprovou a renúncia, alegando que o primeiro-ministro liberal Ion I. C. Brătianu — adversário político de Carlos — havia forçado o rei a excluir o filho da sucessão.[11] O casamento com a princesa Helena chegou ao fim em 1928, quando ela pediu o divórcio. Carlos teria ainda um casal de filhos com outra amante, Maria Martini, uma estudante de ensino médio.[9] Carlos viveu comodamente no exílio entre Londres, Paris e as cidades turísticas da moda.[12] Durante esses anos, consolidou-se sua fama de dissoluto e mulherengo, personagem habitual da Imprensa Marrom[12] Houve quem se aproximasse dele visualizando a possibilidade de tê-lo como fundador de um novo sistema político na Romênia, alheio à democracia, mas os liberais que governavam o país se opuseram a tal ideia.[12] CaráterApesar da fama de conquistador e playboy, Carlos mostrou, com o passar dos anos, ser um político astuto, alijando os partidos tradicionais do poder, mesmo sem demonstrar valor algum como estadista.[13] Com notável inclinação para o exercício do poder e parcas ideias políticas, Carlos não possuía conhecimento nem opinião própria sobre economia, o que fez com que buscasse apoio entre os industriais — que ganharam posições de destaque ao longo de seu reinado.[13] Regresso e ascensão ao tronoEm 6 de junho de 1930, Carlos desembarcou de surpresa em Bucareste.[12] Para sua coroação, contou com o apoio de amplos setores da sociedade, que desejava um monarca maduro, capaz de acalmar o cenário político interno.[12] Prontamente, Carlos II demonstrou que sua ambição ia na contramão dos anseios populares, rodeando-se de industriais, banqueiros e políticos de direita, que ficaram conhecidos como Camarilă (A Camarilha),[14] O rei converteu-se rapidamente no centro da vida política do país e iniciou sua estratégia de minar os partidos tradicionais, estimulando as dissidências internas e arregimentando os descontentes.[14] Copa do Mundo de 1930Obcecado por futebol, escalou pessoalmente a Seleção Romena para a Copa do Mundo de 1930, entregando ao técnico do time uma lista com o nomes de todos os jogadores, titulares e reservas, que deveriam viajar ao Uruguai, país-sede da competição.[15] Governos de transição e regresso dos liberaisEntre a renúncia de Iuliu Maniu, em outubro de 1930, e o regresso dos liberais ao poder, em novembro de 1933, a situação do país tornou-se mais confusa que o habitual.[13] A crise econômica assolava o país e o sistema político "semi democrático" começava a se desintegrar, fortalecendo os movimentos extremistas.[13] A tentativa de Carlos de reorganizar a vida política da nação, foi infrutífera.[13] Ele pensava que os partidos tradicionais haviam perdido sua razão e desejava substituí-los por elementos mais "modernos", introduzindo, a princípio, um governo de personalidades apartidárias.[16] Em 18 de abril de 1931, ele colocou suas ideias em prática, encarregando o famoso historiador Nicolae Iorga de formar um novo governo.[16] Imediatamente, Carlos anunciou sua intenção de presidir o Conselho de Ministros semanalmente.[16] Logo surgiram os primeiros desentendimentos entre o rei e seu governo, devido à crise que obrigou a redução dos salários, medida a que Carlos se opôs, forçando a renúncia de Iorga em junho de 1932.[17] Até o final de 1933, sucederam-se diversos gabinetes compostos pelos nacional-camponeses, que não conseguiram melhorar a situação política e econômica, gerando uma crise no partido.[18] Após cinco anos longe do governo, os liberais do Partido Nacional Liberal (PNL) regressaram, inicialmente com o efêmero Ion G. Duca - assassinado pela Guarda de Ferro em dezembro de 1933 - e, mais tarde, com Gheorghe Tătărescu, que conseguiu manter-se à frente do governo por quatro anos.[19] Nos três anos que se passaram entre seu retorno à Romênia e sua ascensão ao trono, Carlos II não conseguiu estabelecer o governo de personalidades apartidárias que tanto desejava, mas aumentou consideravelmente sua influência na política nacional e iniciou a desintegração dos "partidos tradicionais", especialmente do PNŢ, mergulhado em profunda crise após anos no governo.[20] O longo governo de TătărescuO rei monopolizava cada vez o poder político e permanecia desconfiando dos partidos.[21] Para fazer frente à crescente popularidade da formação fascista da Guarda de Ferro, criou sua própria organização juvenil, a Straja Ţării ("Guarda da Pátria"), em 1934, enquanto o governo adotou algumas das posturas típicas da extrema direita, aproveitando-se da popularidade desta corrente em todo o país, ainda mergulhado em graves problemas sociais (miséria camponesa) e econômicos (Grande Depressão).[21] Inicia-se nessa época um esforço para a industrialização do país, para reverter o atraso do Estado e reduzir a população do campo, que vivia na pobreza.[22] Favoreceu-se, especialmente, indústria pesada, à custa do desenvolvimento rural - independentemente de sua relação com a agricultura -, ocupação da grande maioria da população.[22] Esta tendência fez com que a política nacional caminhasse para um regime corporativista.[22] A industrialização também gerou uma corrupção generalizada e o controle pela Camarilha Real de grande parte da nova indústria do país - sem condições de competir com indústrias estrangeiras, mas protegidas pelo Estado.[23] A família real, com Carlos à frente, estava profundamente envolvida nas sociedades industriais.[23] A política externa sofreu uma mudança em 1936: a despeito da tradicional proximidade com a França, principal apoiadora da Romênia durante a Primeira Guerra Mundial, o fracasso desta em frear o crescimento do poderio alemão, aliada à crescente incapacidade da Sociedade das Nações, fizeram com que Carlos substituísse seu ministro de relações exteriores, o pró-ocidente Nicolae Titulescu, e se encarregou pessoalmente de dirigir a política externa da nação, aumentando ainda mais seu poder político e consolidando suas tendências autoritárias.[24] Fascismo realNas eleições de dezembro de 1937, a "Legião" alia-se a outros partidos para impedir que os liberais alcancem maioria absoluta no parlamento e atingem seu objetivo.[25] O rei, atraído pelo ideário de Codreanu, decide, no entanto, encarregar seus rivais do Partido Nacional Cristão, de Alexandru C. Cuza e Octavian Goga (9,7% dos votos), de compor um novo governo.[25] Sua amante judia e as duras críticas a seus colaboradores o afastam de Goga.[25] O novo parlamento foi dissolvido e tomaram-se medidas repressivas para garantir a maioria do novo governo real e minar a força da "Legião".[25] Foram aprovadas várias medidas contra os judeus (limitação da educação, cidadania, direito à propriedade, etc.).[25] Goga, no entanto, negocia com Codreanu, que decide não candidatar-se às novas eleições. O rei não aprova esta nova aliança entre os extremistas de direita e demite Goga. Ditadura realEliminação da Guarda de Ferro e crise internacionalEm 11 de fevereiro de 1938, o rei suspendeu a constituição e proibiu a existência de partidos políticos, iniciando um regime de ditadura real que duraria até 5 de setembro de 1940. Carlos nomeou um governo fantoche chefiado pelo patriarca ortodoxo, que logo foi substituído por Armand Călinescu, homem forte do regime até seu assassinato, em setembro de 1939. O governo não respondia ao parlamento, mas ao rei, que podia promulgar decretos-lei.[26] Este regime foi descrito pelo embaixador alemão como nacionalista, cristão e antisemita.[26] O governo real adotou as características típicas dos regimes fascistas contemporâneos: partido único, uniformes militares, organizações juvenis nacionalistas controladas pelo governo, retórica conservadora e de renovação nacional, etc.[25] A Camarilha Real aumentou seu poder.[27] Carlos II manteve na política externa sua postura de neutralidade entre as democracias ocidentais e governos fascistas, procurando reforçar as relações econômicas com a Alemanha, que adquiriram uma importância ainda maior após a anexação da Áustria.[26] Poucas semanas após a implantação da ditadura, os dirigentes da Legião foram presos. Codreanu foi condenado em um julgamento arranjado onde, entretanto, a maioria das acusações eram verdadeiras [25] Centenas de seus correligionários foram enviados para campos de concentração.[25] Em setembro, ante o Acordo de Munique, Carlos decidiu que, mesmo em caso de um ataque húngaro à Checoslováquia, a Romênia não sairia em auxílio desta, apesar de suas obrigações como aliados na Pequena Entente,[28] pois ele não pretendia um enfrentamento com a Alemanha.[29] Após a Alemanha apresentar a Checoslováquia como aliada no Acordo de Munique e de fazer concessões territoriais à vizinha Hungria - que estava em litígio com a Romênia pela Transilvânia desde a Primeira Arbitragem de Viena -, Carlos realizou uma viagem a Londres, Paris e Berlim, em novembro de 1938.[7] Enquanto isso, a nova direção da Legião, apesar das advertências de Codreanu, deu início a uma campanha de atentados e violência, especialmente contra os judeu.[25] A tentativa de assassinato do reitor da Universidade de Cluj, familiar de Călinescu, juntamente com os temores pela ameaça revisionista insinuada por Adolf Hitler em novembro,[7] selaram o destino de Codreanu, que foi assassinado junto a outros membros da Legião na noite de 29 de novembro de 1938, nos arredores de Bucareste.[25] Foram enterrados numa prisão militar e divulgou-se a notícia de que haviam sido mortos quando "tentavam fugir".[25] A ordem havia partido de Carlos a Călinescu na Checoslováquia, quando regressava de seu encontro com Hitler.[7] Em março de 1939, ante a tensão internacional causada pela invasão da Bohemia e Morávia e pela ocupação húngara da Rutênia, Carlos decidiu acelerar as conversações econômicas com a Alemanha, cada vez mais influente no sudeste europeu, ao mesmo tempo em que incentivava os interesses anglo-franceses na região, tratando de manter sua política de equilíbrio entre as potências.[30] Em 21 de setembro de 1939, três semanas após o início da Segunda Guerra Mundial, o primeiro-ministro Călinescu foi morto a tiros por seis membros da Guarda de Ferro, em uma emboscada.[25] As represálias foram terríveis: em cada província, três membros da Guarda deviam ser executados e várias dezenas foram assassinados nos campos de concentração.[25] A 18 de Outubro de 1939 foi agraciado com a Grã-Cruz da Banda das Três Ordens de Portugal.[31] Mais perto do EixoO rei havia perdido seu homem de confiança e a situação internacional parecia dar razão aos extremistas que defendiam uma aproximação com as potências fascistas que, nesse momento estavam acabando com a resistência polaca, um dos mais próximos aliados da Romênia.[25] No final de setembro, lamentou a recusa britânica à proposta de paz de Hitler, convencido que estava da necessidade de união entre os dois países para frear o que considerava a principal ameaça para a Europa e a Romênia: a União Soviética.[32] Em seguida, procurou criar um bloco de países neutros e ofereceu sua mediação a Hitler para conseguir a paz entre este e o bloco anglo-francês, oferta que foi recusada.[32] A agrupação de nações neutras, que deveria ser dirigida pela Itália, fracassou devido à renúncia búlgara à união com seus vizinhos da Entente dos Balcãs,[33] prevendo possíveis anexações territoriais pela guerra.[34] No início de janeiro, o novo governo começou a libertar os legionários detidos, um gesto de aproximação com o Eixo. Na primavera de 1940, lhes foi concedido uma anistia e eles foram incentivados a participar do governo.[35] Horia Sima, que sucedeu Codreanu como líder da Guarda de Ferro, convocou seus seguidores a unirem-se ao novo partido, criado pelo rei três dias antes do ultimatum soviético de 26 de junho de 1940, que obrigou a Romênia a ceder a Bessarábia.[25] A previsível derrota da França em meados de maio fez com que Carlos declarasse ao embaixador alemão:[36] "O futuro da Romênia depende unicamente da Alemanha." Em 27 de maio de 1940, foi firmado um acordo entre alemães e romenos que estabelecia um intercâmbio de armamento alemão (principalmente material polonês apreendido) em troca do petróleo romeno a preços de 1938, o que aumentava o abastecimento alemão e frustrava as intenções dos ocidentais de evitar sua compra aumentando os preços - pelos quais a Alemanha, sem divisas, não poderia pagar.[35] Em 21 de junho, um dia antes da rendição francesa, Carlos criou um novo partido único, o Partido da Nação, que agregou os membros da Guarda de Ferro.[37] Ante a exigência soviética de entrega da Bessarábia e do norte da Bucovina, Carlos decidiu, inicialmente, partir para o enfrentamento com os soviéticos[37] mas, após a negativa alemã de apoio no conflito, desistiu e aceitou o ultimatum.[38] No mesmo dia em que as tropas soviéticas entraram nessas regiões (28 de junho), a Guarda de Ferro ingressou no governo.[25] A Romênia tratou, então, de promulgar medidas antijudias e contrárias aos britânicos para agradar a Alemanha, mas já era tarde. Na Segunda Arbitragem de Viena, a Romênia foi obrigada a ceder o norte da Transilvânia à Hungria e, logo após, o sul da Dobruja à Bulgária. A política do rei havia fracassado [25]. AbdicaçãoEm 3 de setembro de 1940, o legionários se sublevaram em Bucareste, Braşov e Constança. Vitorioso nas províncias, o levante fracassou na capital, mas desencadeou grandes manifestações.[25] O rei se viu obrigado a pedir auxílio ao general Antonescu que, mesmo sendo um crítico do monarca, era o único que poderia assegurar-lhe o controle do exército, necessário para manter-se no poder. Antonescu deu-lhe seu apoio, mas exigiu sua abdicação.[25] Em 6 de setembro de 1940, Carlos II cedeu e partiu para o exílio com sua amante e um trem carregado de objetos de valor.[25] Seu filho, Miguel I, foi nomeado seu sucessor. No momento de sua abdicação, Carlos era um dos principais industriais do país, com ações em 40 empresas e bancos romenos e alguns alemães, como AEG e Deutsche Bank.[39] Exílio e morteCarlos e Magda Lupescu se casaram no Rio de Janeiro, em 13 de junho de 1947.[40] Nunca mais voltou a rever seu filho nem seu país. Morreu no exílio em Portugal, em 1953, aos 59 anos de idade. Em fevereiro de 2003, próximo de se completar o cinquentenário de sua morte, os restos mortais de Carlos II, pai de Miguel I, foram trasladados do Panteão da Dinastia de Bragança para a Catedral de Curtea de Argeș. AncestraisNota
Referências
Bibliografia
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