Golpe de 1964 no Rio de JaneiroO Golpe de 1964 no Rio de Janeiro refere-se aos eventos relativos ao Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil, na medida em que foi o alvo principal do golpe de Estado no Brasil em 1964,[1] mas não seu ponto de partida. O controle do governo sobre a poderosa guarnição do I Exército (sediado no Rio de Janeiro), como parte de seu "dispositivo militar", era maior, exigindo que fosse dispersa para o interior para enfrentar forças do Exército Brasileiro rebeladas vindas de outros estados. Entre os inimigos de João Goulart na cidade estavam Carlos Lacerda, governador da Guanabara, e os generais Castelo Branco e Costa e Silva, sem comando de tropas.[2] As forças do governo estavam sob o comandante do I Exército, o general Armando de Moraes Âncora, e do Corpo de Fuzileiros Navais, almirante Cândido Aragão. Os revoltosos não conseguiram sublevar o grosso da guarnição, mas a saída do Presidente depois do meio-dia de 1º de abril, causada pela deterioração de sua posição dentro e fora da cidade, fez desmoronar a posição dos legalistas e o I Exército cessou a resistência. No dia seguinte o "Destacamento Tiradentes", advindo de Minas Gerais, entrou na cidade. O domínio inicial do governo federal na Guanabara era o esperado pelos golpistas e se materializou no almirante Aragão, "senhor absoluto do Rio durante quase dois dias". Entretanto seus fuzileiros, apesar de vários falsos alertas da noite de 31 de março e no dia seguinte, não atacaram Carlos Lacerda, que aguardava entrincheirado no Palácio Guanabara com policiais e voluntários. Com uma exceção não impediram sua Polícia Militar de neutralizar os sindicalistas. Houve greve, mas ela prejudicou o governo. Os legalistas também perderam a oportunidade de aprisionar Castelo Branco; ele e Costa e Silva estiveram no Palácio Duque de Caxias, sede do Ministério da Guerra, e saíram na tarde do dia 31, rumando a aparelhos. Castelo Branco terminou na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), que tornou a Urca um enclave da rebelião; na manhã do dia seguinte o Forte de Copacabana emergiu como outro. No dia 1, o almirantado conseguiu neutralizar Aragão. Após a saída do Presidente, seus guardas abandonaram sua residência, o Palácio Laranjeiras, notoriamente um pelotão de carros de combate que seguiu às linhas de Lacerda. Pouco antes oficiais da ECEME invadiram o QG de Artilharia da Costa, em Copacabana, com grande repercussão. Por fim, à medida que o governo Goulart desaparecia, a repressão desceu sobre seus partidários. Costa e Silva tomou para si o Ministério da Guerra. A partir do dia 2 surgiram rumores de uma contraofensiva janguista, que não se verificaram. Os oposicionistas, triunfantes, realizaram a "Marcha da Vitória". Contexto no interiorContra o Rio de Janeiro convergiam as forças da 4ª Divisão de Infantaria, de Minas Gerais, e do II Exército, de São Paulo, respectivamente dos generais Olímpio Mourão Filho e Amaury Kruel. Mourão Filho formou o "Destacamento Tiradentes" e delegou seu comando ao general Murici, cuja força já estava na ponte sobre o rio Paraibuna, na fronteira estadual, às 17h00 do dia 31. Kruel só aderiu ao golpe ao redor da meia-noite. Na frente mineira, o 1º Batalhão de Caçadores de Petrópolis montou uma defesa ainda no dia 31, mas à noite recuou. Depois das 05h00 do dia seguinte a próxima força legalista, o 1º Regimento de Infantaria (1º RI), aderiu. Depois das 11h00 e meio-dia a próxima linha defensiva legalista, sob o general Cunha Melo, era o 2º RI, que defrontou o Destacamento Tiradentes na região de Areal. Na frente paulista a Academia Militar das Agulhas Negras, antes mesmo da chegada das forças que desciam o Vale do Paraíba, aderiu a Kruel e montou uma defesa na região de Resende e Barra Mansa contra o Grupamento de Unidades-Escola, a força legalista enviada contra São Paulo. Eram essas as posições no interior antes da decisão de Âncora de negociar com Kruel na tarde do dia 1, após a saída de Goulart do Rio de Janeiro, levando ao fim das hostilidades, que no interior não chegaram a ser violentas.[3] Palácio GuanabaraNo dia 19 de março o governador Lacerda ouviu que o general Argemiro de Assis Brasil mandaria prendê-lo antes da convenção da União Democrática Nacional, no dia 11 de abril. Estava informado que o golpe começaria no dia 2 de abril. Sabia ainda que, deflagrado, o inimigo federal tomaria com força seu Estado e o Rio Grande do Sul. Aconselhado a fugir a São Paulo ou Minas Gerais, sua decisão era outra — entrincheirar-se.[4] Mandou a família para longe e no dia 27[5] ou 29 passou a dormir no Palácio, que na noite de domingo já era uma "praça de guerra".[6] O plano de segurança meticulosamente preparado desde o segundo semestre de 1963 entrou em ação.[7] Com a notícia da deflagração em Minas Gerais, chegando por Armando Falcão na madrugada do dia 31, passou à ocupação das vias vizinhas pela Polícia Militar, como presenciado pelo general Murici depois das 09h00. Os policiais foram reforçados por centenas de voluntários, civis e militares reformados,[7] trajando lenços azuis e brancos.[8] Eram tantos os que se apresentavam para defender o Palácio que a durabilidade do estoque de víveres foi ameaçada.[9] As medidas defensivas eram várias, como a “Operação Overhaul”, na qual falsas notícias de movimentos de tropas e ações dos conspiradores foram disseminadas para dispersar as forças legalistas.[10]
Às 16h00 as radiopatrulhas avistaram o deslocamento de carros de combate do 1º Regimento de Reconhecimento Mecanizado (1º R Rec Mec), mas embora a 3ª e 4ª linhas tenham sido colocadas em alerta, não se acreditava que fossem sozinhos atacar o palácio. De fato, o movimento era apenas ao Laranjeiras e ao Ministério da Guerra. A defesa seria posta à prova às 21–22h00, com rumores de um iminente ataque dos fuzileiros navais de Aragão. O deslocamento era real: quatro caminhões e um carro de assalto, com tropa pesadamente armada, partiram da guarnição. Pairava grande tensão. O comboio seguiu o itinerário: Cinelândia, Glória e entrada da rua Farani. Regrediram à praia do Flamengo e dali à Praça José de Alencar, Largo do Machado e Palácio Laranjeiras. Não houve ataque: apenas reforçaram a segurança do Presidente.[7][12] Os fuzileiros apenas tinham sido chamados a defender o Palácio Laranjeiras em virtude da presença adversária da Polícia Militar e do Exército não fornecer reforços.[13] Ás 01h30[7]–02h30[12] veio uma agressão concreta ao Guanabara: a partir das 01h00 cortaram-se as linhas telefônicas.[13] Porém na secretaria de Imprensa uma[11] ou duas linhas novas foram esquecidas e um radioamador retransmitia a Rádio Guanabara aos outros estados. Cortou-se em seguida a luz. Os geradores foram ativados, e para não sobrecarregá-los, o ar-condicionado foi desligado, contribuindo para o clima de tensão. Mais um movimento de fuzileiros navais apenas seguia ao Laranjeiras.[7][8][12] Às 02:00 do dia 1º Âncora garantiu que os fuzileiros não atacariam o Guanabara, e às 03:30, camuflados como enfermeiros, dois investigadores enviados pelo Guanabara fizeram reconhecimento no Arsenal da Marinha. Entraram vestidos de enfermeiros, num "rabecão, cheio de pedaços de corpo humano", a pretexto de buscar um cadáver, constatando que os fuzileiros do Batalhão Riachuelo dormiam.[7][8][12] Entretanto os boatos de invasão voltaram pela manhã, às 04h00 e 08h00. Antes das 10h00 da Rua Farani avistaram-se soldados nas encostas do morro e se imaginava um ataque de morteiros.[7][8][12] Era uma incursão breve[7] ou uma confusão entre os uniformes dos policiais e dos fuzileiros, parecidos.[8] Dos alto-falantes do palácio, Lacerda desafiava:[7]
O governador chegou a especular que as repetidas "invasões" que não se concretizavam fossem tática psicológica para baixar sua guarda,[14] mas Aragão não deu ordem de ataque. Queria sim, prender o governador, o que, consideravam os legalistas, interromperia o golpe ou deteria as adesões de comandos militares. Avaliava que seria perfeitamente possível,[13] e de fato, do outro lado o General Mandin notou sua imensa inferioridade do poder de fogo: o Guanabara não resistiria mais que duas horas.[15] Entretanto Aragão ficou à espera da aprovação do Presidente, que nunca veio.[13] O então Secretário de Segurança narra que os fuzileiros vinham para atacar de fato, mas Âncora telefonou a Aragão e ameaçou deslocar o 1º R Rec Mec estacionado no Ministério da Guerra para interrompê-lo.[16] Fernando Gabeira era da opinião de que os oficiais sabotariam uma ordem de ataque.[17] Os objetivos da defesa do Guanabara eram, além da simples defesa do governador, o valor simbólico da permanência do governo estadual e a proclamação ao país da agressão sofrida.[7] Lacerda era da opinião de que influenciou a adesão de São Paulo ao golpe, pois a Guanabara era até então considerada "favas contadas".[4] PM, Aeronáutica e Fuzileiros NavaisÀ noite do dia 31 Francisco Teixeira, comandante da III Zona Aérea e ligado à base militar comunista ouviu de Luís Carlos Prestes, líder do Partido, que deveria acionar a Base Aérea de Santa Cruz e bombardear o Palácio Guanabara. Respondeu que seus tenentes já estavam do lado golpista. Em outra ocasião, respondeu ao mesmo pedido que só daria a ordem se mandado pelo Presidente da República. Um bombardeio aos jardins do palácio seria "mais um ato terrorista do que uma ação militar".[18] Os fuzileiros navais e marujos da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) eram loco de mobilização legalista, a ponto de Brizola sugerir a Aragão que convidasse Jango a se instalar nos Fuzileiros e dali se dirigir à nação. Até o dia 31, a AMFNB controlou o armamento, contatou oficiais legalistas e impediu a partida de navios. Fuzileiros navais ofereceram armas na União Nacional dos Estudantes, embora nenhuma veio aos que esperavam na Faculdade Nacional de Direito. O cabo Anselmo, com armas dos Fuzileiros, planejou ações com integrantes da UNE e operários marítimos. Aragão considerava-se "senhor absoluto do Rio durante quase dois dias". Seus fuzileiros guarneceram a Aeronáutica (o edifício da Terceira Zona Aérea fora metralhado), as emissoras Nacional e Mayrink Veiga, governistas, e os Correios e Telégrafos, possível ponto de reunião legalista.[19] O Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) vetou as emissoras de rádio não associadas à "Rede da Legalidade" transmitirem notícias; que emitissem apenas música, então.[20] Proibiu à direção da Rádio Jornal do Brasil as notícias "falsas" ou "alarmistas". Foi acusada das primeiras.[21] Por divulgar pronunciamentos de Juscelino Kubitschek e Magalhães Pinto, foi ocupada entre as 20:30 e 21:14 por 10 fuzileiros navais, ficando fora do ar nesse período.[22] Seu superintendente foi preso e depois solto.[21] Igual tratamento receberam os jornais oposicionistas Tribuna da Imprensa e O Globo, invadidos e impedidos de circular no dia 1º. Aragão esteve presente nas ocupações.[23] O Comando Geral dos Trabalhadores já tinha decretado greve geral para o dia 30. Entretanto a rede de comunicações sindical estava enfraquecida.[24] A greve se restringiu aos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, além de Santos e ferrovias em São Paulo, Bahia e Rio Grande do Sul,[25] o que beneficiou o golpe: não interferiu na base territorial golpista em Minas Gerais e São Paulo e impossibilitou a movimentação das massas dos subúrbios para o centro, onde estavam 95% dos sindicatos. Edmar Morel acusa a greve de ter sido obra de uma quinta-coluna, resultado da ausência de cabeça no CGT.[26] Thomas Skidmore atribui o fracasso sindical ao fato de líderes já terem sido presos no dia 30 ou estarem foragidos.[24] Aragão não conseguiu interromper o aparato militar estadual. A PM de Carlos Lacerda era ostensiva nos pontos estratégicos, acessos e vias de transporte. Aparecia também à porta dos sindicatos.[27] Um a um, conduziu ocupações e prisões de liderança, mas um escaparia: o CNTI.[28] A liderança da greve, incluindo o deputado Hércules Silveira, foi presa por 12 policiais militares onde se reunia no prédio da IAPETEC, em frente ao Ministério da Aeronáutica, na rua Santa Luzia. Um contingente da I Zona Aérea libertou os detidos e outro dos fuzileiros navais fez a PM sair com a ameaça de abrir fogo, às 18:25.[26]
Palácio Duque de CaxiasPela manhã Castelo Branco fracassou em retardar os mineiros e teve contatos improdutivos com os paulistas. Às 10h00 dirigiu-se a seu gabinete no Estado-Maior do Exército (EME), de onde prosseguia com telefonemas[29] a apenas três andares abaixo do gabinete do Ministro, cheio de legalistas.[30] Corria o risco de ser preso — Costa e Silva disse-lhe "Você está na boca do lobo!" Sua permanência ali seria vista pelos colegas como afirmação de liderança.[18][29] Costa e Silva e outros como Ernesto Geisel se juntaram ao Chefe do Estado-Maior no Ministério. Pelo seu próprio sistema de comunicação coordenavam o golpe, Costa e Silva com as lideranças militares e Castelo Branco com as civis.[18][29] Também o coronel Rubens Restell chegou ali de São Paulo, informando a situação no outro Estado e retornando com as instruções de Castelo.[30] O EME era "defendido" por oficiais de pistola 45 na cintura. Tiraram os arquivos de aço das seções, bloquearam as portas dos elevadores e escadarias de acesso ao 5º e 6º andares e escalaram guardas. Solicitaram reforço à ECEME,[31][a] do general de brigada Jurandir de Bizarria Mamede, subordinado[b] e amigo de Castelo. Vieram para defender o General e talvez tomar o Palácio 60 oficiais levemente armados,[18] após o meio-dia.[32] O I Exército ficou alarmado, especialmente pela presença de oficiais em uniformes de instrução, e solicitou reforços.[32] Ás 15h15 se deu uma ordem de bloqueio e evacuação do Palácio. Os civis foram convidados a sair. 12 tanques e 8 carros de assalto do 1º R Rec Mec e 2º Batalhão de Infantaria Blindado (2º BIB) estacionaram na frente, isolando a entrada de uma multidão de populares que se aglomerava. Somente o portão lateral esquerdo ficou aberto.[33] No pátio estavam elementos do Batalhão de Guarda e do 1º GCanAuAAe 40.[31] Com as sirenes ligadas, a Polícia do Exército (PE) saltou das viaturas e ocupou os andares de baixo. O Palácio tornou-se "cenário de faroeste", dividido entre o governo e os revoltosos. Estes, de fora com "um paliteiro de carros-de-combate apontados para o Ministério", e dentro, do térreo ao 4º e do 9º ao 10º andares. Aqueles, do 5º ao 8º, dispostos a defender Castelo Branco. "E se a PE tentar subir?" "Atirem". Elevadores estavam desligados, e passagens, bloqueadas. Imaginavam que a PE os desentocaria com bazucas à noite.[18] "Armados de metralhadoras, os dois lados ocupavam as escadarias e esperavam por quem iria atirar primeiro".[29] Por sua vez, os legalistas no 9º o 10º andares, onde estava o gabinete do ministro, também se preparavam para resistir.[32] Dois lances de escadaria acima de Castelo estava Âncora.[29] Tinha em mãos a ordem de, no Forte da Laje, prender Castelo.[34] Só tardiamente ele foi nomeado como líder do golpe a Jango. A ordem não pôde ser cumprida de imediato, pois só outro general de exército poderia prendê-lo. Este seria, então, Âncora, que a princípio se recusou por constrangimento pessoal.[34] As horas passaram e só às 18h00 Âncora mandou o general Almeida de Morais "convidar" Castelo a seu gabinete. Ele não estava mais ali. Testemunha, o general Telles suspeita que Âncora tenha deliberadamente arrastado a ordem para permitir que Castelo fugisse.[29] Castelo Branco havia deixado o Palácio às 16h00,[18] pelo portão lateral num automóvel oficial escoltado por um jipe cheio de homens armados. Em nenhum momento foi bloqueado.[29] Escondendo-se em uma série de "postos de comando" com seu Estado-Maior revolucionário,[c] terminou na ECEME.[35] Costa e Silva seguiu a outros aparelhos.[28][d] A PE bebeu água e saiu, "absolutamente por fora desse pequeno drama".[32] A escolta montada para o General, dispensada, desdenhou da "revoluçãozinha de expediente".[18] Península da UrcaTomando conhecimento da deflagração em Minas, ao redor das 10:00 o General Mamede declarou a Castelo Branco que já não considerava Jango o Presidente.[36] Obedecendo somente a Castelo, transformou sua Escola no "Estado Maior Revolucionário", a primeira formação da Guanabara levantada contra o governo. Dispunha de 400 oficiais, dos quais apenas 8 apresentaram dissidência; junto com alguns sargentos, foram presos. O armamento não se equiparava à moral: apenas 28 revólveres 45, 30 fuzis e mosquetões, 3 Thompsons e, após as 11h00, 10 submetralhadoras INA cedidas pelo Palácio Guanabara. Suspendeu as aulas. Os alunos ficaram em "equipes de choque" de 20 cada.[32] A ECEME tornou-se foco de agitação contra o governo[32] por, juntamente com a ESG, ser tratada como "arquivo dos indesejáveis" pelo mesmo.[37] Vieram boatos de um ataque com carros de combate, e em poucas horas a garagem produziu 60 coquetéis molotov. A primeira grande missão foi a escolta no EME. Terminou dispensada, e após as 17h00, a prontidão foi relaxada, os prisioneiros soltos e as aulas restauradas. Veio o desânimo[28] — "zero a zero e bola ao centro". Gaspari enfatiza que o levante não foi a lugar nenhum,[18] mas eram medidas de dissimulação, diante do risco de "forte ação repressiva". Eram complementadas pelo obscurecimento da escola e, numa contradição, dificultadas pela própria liberação dos presos.[28] À noite Mamede compareceu ao aparelho de Castelo. Retornando à paisana, tinha ordem de pôr sob seu comando as numerosas demais instituições[e] da Urca e Praia Vermelha. Pela madrugada confirmaram seu apoio o tenente-coronel Andreazza, na ESG, coronel Daltro Santos, na Escola de Educação Física do Exército, e tenente-coronel Iônio Portella, na Escola de Artilharia da Costa. Do Instituto Militar de Engenharia (IME) apresentaram-se alunos individualmente[38] mas no caso dos coquetéis seu comandante, general Luiz Neves, estava ausente.[32] O coronel Euler Bentes Monteiro, da Escola de Comunicações, recusou-se a fornecer "meia dúzia de rádios".[18]
Hernani D'Aguiar, "A revolução por dentro", p. 151 Todos os alunos dormiram ali. Vigiavam a praia, imaginando um ataque anfíbio dos fuzileiros, e guarneciam as ruas. Consideravam os janguistas "majoritários, onipotentes e onipresentes".[39] Estavam em posição precária e no dia 1 vinham boatos de um ataque iminente.[38] Poderia vir até de uma aglomeração da Marinha em Niterói.[40] Costa e Silva prometeu uma companhia de carros de combate do 1º BCC, que nunca veio, e o Forte São João, embora solidário, não quis fornecer um reforço — não convinha a ninguém abrir mão de seus efetivos. Coube aos próprios oficiais a defesa. Patrulhas móveis em automóveis particulares monitoravam as redondezas e o comando foi decentralizado para empregar as capacidades dos oficiais.[38] O oponente que apareceu eram 2 fuzileiros navais, logo presos. Em seguida, um sargento com 8 fuzileiros, todos de INA. Interceptados por 12 oficiais, dos quais apenas 3 com metralhadora de mão, poderia ter ocorrido um tiroteio, mas se renderam e as armas complementaram o parco arsenal.[38] Estavam ali em reconhecimento,[39] todos rumando ao bondinho. No alto do Pão-de-açúcar tinham um posto de guarda[38] com uma antena transmissora,[41] desde a antevéspera, com um capitão-tenente e 8–10 fuzileiros. Tentativas de diálogo não deram fruto[42] e o bondinho foi desativado para não que não atacassem a retaguarda.[40] O resultado foi a adesão do IME. A pracinha da Praia Vermelha foi entrincheirada. Na Avenida Pasteur haviam barricadas em profundidade até a Faculdade de Medicina, com postos menores chegando ao Iate Clube.[38] Palácio LaranjeirasGoulart estava no palácio Laranjeiras, bem protegido por um scout car e um pelotão de cinco tanques M41 do 1º R Rec Mec, sob o tenente Freddie Perdigão Pereira, no parque Guinle.[18] Para lá partiram após as 16h00.[7] Á noite o dispositivo de segurança já atravancava o tráfego nas vizinhanças: na rua que sobe ao parque Guinle e no encontro da rua das Laranjeiras com o Largo do Machado aguardavam fileiras da Polícia do Exército.[43] A defesa do Palácio Guanabara, a meros dois quarteirões de distância, chegou antes da do Laranjeiras, exigindo o envio de guardas para manter abertos os acessos ao Largo do Machado.[44] Na rua das Laranjeiras as linhas, a federal com blindados e a estadual com caminhões de lixo, estavam a 3 metros de distância. "Conversavam e trocavam café por cigarros, passando os jornais de mão em mão".[45] Goulart decolou rumo a Brasília às 12h45.[46] Uma equipe da ECEME à paisana,[f] ouvindo que fuzileiros atacariam o Guanabara apoiados por um carro de combate M41, não encontrou na região do Laranjeiras nem a PE e nem fuzileiros.[47] Haviam largado suas posições, os fuzileiros às 15h25.[7] Só restavam como defensores do Palácio presidencial, já vazio, o pelotão blindado.[47] O tenente Perdigão queria mudar de lado, mas receava o que fariam seus sargentos. Pôs, então, os quatro no 4º carro; o sargento Augusto teve que ser preso. Este 4º e outro, formando a 2ª seção do pelotão, deveriam partir à Urca-Praia Vermelha. Dando pane, Perdigão engatilhou sua INA. Foi pacificado pelo major Caldeira, da ECEME, que assumiu a seção e a conduziu à Escola. Os carros chegaram na barricada com as torres viradas para trás, mas por esquecimento, ainda em posição de tiro. O major Porto Alegre, com um revólver 38, interrompeu a coluna. Se fosse inimiga, teria morrido — era o estado de espírito na ECEME, a cuja defesa a seção se uniu.[47] Os 3 carros da 1ª seção depararam com os defensores do Guanabara em dois pontos. O capitão Adolpho, entocado num buraco na rua Ipiranga com uma bazuca, foi contatado com a ajuda de uma radiopatrulha que monitorava os blindados. Conseguiu a liberação do acesso com o comandante do setor, coronel Luiz Mendes.[47] O capitão Juarez,[g] que estava na entrada da rua Laranjeiras com 3 sargentos, 2 cabos e 27 soldados, avistou ao longe os carros, bloqueou a estrada com um caminhão de lixo e dirigiu-se com um sargento e um cabo, cada um com quatro granadas, para explodir as lagartas. Perdigão acenou — "vim aderir à Revolução" — e trocou sua INA por um lenço azul e branco, símbolo dos defensores.[48] A 1ª seção aproximou-se do palácio às 15h50,[7] enchendo de entusiasmo os presentes. O Cap Adolpho, em seu Volkswagen, conduziu um jipe e os 3 carros. Na comoção, o major Alcides Etchegoyen subiu no Volks.[47] Carlos Lacerda, que pela TV Rio, às 16h00, finalmente discursava, chorando, clamava "Obrigado!"[49] Era uma expressão pública do alinhamento dos militares ao Governador.[50] Ele abraçou Etchegoyen e, não sendo conveniente uma explicação naquele estado, surgiu a misconcepção de que os filhos do General Etchegoyen teriam comandado carros para resgatar o Palácio.[47] Ainda assim, correndo a uma das janelas, Lacerda proferiu palavrões contra novos supostos atacantes: fuzileiros viriam pela retaguarda do Palácio. Mais um boato.[51] Guarnição da cidadeO Rio era "impermeável", conforme Carlos Luís Guedes: era dificílimo convencer as formações da Guanabara a aderirem ao golpe. Os Dragões da Independência, 1º Rec Mec e 2º BIB se recusaram. Tentaram-se tirar barcos da barra na baía, sem sucesso. O almirante Sílvio Heck desembarcou de uma lancha na ilha de Mocanguê disfarçado de pescador e tentou tomar os dois submarinos atracados, mas um estava sem peças, e o outro, sem tripulação.[18] A situação continuou no dia 1, mesmo quando o "dispositivo" já cambaleava: o tenente-coronel Hugo Abreu voltou do Regimento Escola de Cavalaria de mãos vazias, embora também não fosse denunciado.[46] O General Augusto César de Castro Muniz Aragão queria tomar o Núcleo da Divisão Aeroterrestre. Encontrou-se à noite dos dias 31 de março a 1 de abril com seus comandantes de infantaria, artilharia, logística e instrução. Estavam receosos com a significativa fração de sargentos e subtenentes governistas. De manhã o comandante, General João Costa, "soldado profissional" e indiferente, aceitou sua autoridade, mas não houve assunção de comando. A Divisão permaneceu "neutralizada".[52][53] Enviado de Costa e Silva,[46] também não teve êxito no Regimento Escola de Infantaria.[38] A ECEME teve êxito, porém, em convencer o Forte de Copacabana a aderir, e em seguida a tomar o QG da Artilharia de Costa ao redor do meio-dia.[46] Os que não eram chamados também nada faziam. O comandante da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), dispondo de uma "reserva tática de alto nível", mandou embora os alunos. Um grupo quis partir para se unir à tropa mineira, mas quando se juntou ela já estava vitoriosa.[54]
Desde o início a ECEME tinha formado Estados-Maiores de instrutores para que generais pudessem usurpar a liderança de unidades.[32] À Escola compareceram então vários. Costa e Silva despachou os Generais Souza Aguiar e Horácio Garcia para tomarem a 1ª DI e Divisão Blindada, respectivamente. Garcia tinha um ponto de partida, o Coronel Calderari, comandante do 1º BCC e favorável à causa, mas visitando-o às 06h00 e 14h00 não surtiu efeito na Divisão. Aguiar, próximo ao Campo dos Afonsos, observou por meia hora a Vila Militar — "passavam despreocupadamente como se não houvesse qualquer Revolução em marcha". Às 12h30 encontrou Muniz Aragão, que lhe falou da Aeroterrestre - fora de seu controle e uma tentativa de tomada seria sangrenta. Já a Vila Militar (disposição na tabela ao lado) permanecia nas mãos do General Osório; mesmo que o QG fosse tomado, não poderia ser defendido. A equipe retornou às 13:00.[38] A Urca empreendeu outras missões. O coronel Restell transmitiu um objetivo importante para os paulistas: neutralizar a Base Aérea de Santa Cruz, "único grande obstáculo ao II Exército".[49] Seu coronel aviador Rui Moreira Lima era "muito respeitado, mas totalmente de esquerda". Ao lado, o 1º Batalhão de Engenharia de Combate temia uma rebelião pelos quase mil sargentos da base e pediu reforços.[55] Com um grupo da ECEME, alguns elementos coordenaram também uma operação de sabotagem, mas a equipe da Escola viu que seria impossível e, às 12h00 do dia 31, seguiu ao Palácio Guanabara.[32] No dia seguinte, o governador Lacerda foi ainda reforçado por um Estado-Maior enviado pela ECEME.[38] Um grupo da Aeronáutica[k] pretendeu desembarcar no litoral paulista, subir a serra e tomar a Escola de Especialistas da Aeronáutica, em Guaratinguetá. Teriam assim uma pista de pouso e estrutura para operar aeronaves. Antes da largada, no dia 1, o golpe já estava triunfante na cidade e a operação não teve início.[56] Após a saída do PresidenteMobilizando-se em favor de Goulart, optantes da Polícia Federal se reuniram nos jardins do Palácio do Catete, e ex-pracinhas, no Campo de São Cristóvão. Passaram a tarde à espera de ordens que não vieram. O mesmo se deu com os portuários e marítimos. Moveram-se os estudantes, reunidos às 15h00 na Cinelândia, em frente à Polícia Militar que guarnecia os Clubes Militar e Naval. Tentavam invadir o Clube Militar e os oficiais no interior atiravam. Às 16h00 a Polícia do Exército substituiu a PM e os estudantes comemoraram, imaginando que estivessem ali para garanti-los. Era o contrário e foram dispersos. Refluindo, foram recebidos a tiros, deixando dois mortos.[57][58] A tomada do QG de Artilharia de Costa repercutiu em Niterói, onde oficiais do Exército e da PM tomaram o QG da PM, prenderam seu comandante, assumiram a corporação e por fim prenderam o Governador Badger da Silveira. O legalismo no Rio evaporou. Os fuzileiros navais abandonaram as últimas comunicações que ocupavam. Pela noite Âncora rendeu o I Exército[59] e, com o caminho aberto, o Destacamento Tiradentes entrou na cidade no dia 2.[60] Ainda no dia 1 partia-se à neutralização dos governistas e janguistas. Às 17h30 a sede abandonada da UNE na praia do Flamengo foi queimada por coquetéis molotov. Quase na mesma hora também foi depredada a Ultima Hora. O I Exército depois ocupou as Rádios Nacional e Mayrink Veiga.[59] A PM concluía sua Operação Salame, "fechando sindicatos e prendendo meio mundo".[50] Às 17:30 Abelardo Jurema e outros ministros, comunicando-se com o Presidente pelo rádio, seguiram ao QG da 3ª Zona Aérea, no Santos Dumont, para decolar a Brasília. Um "Avro" poderia partir de imediato, mas o General Assis Brasil, visitando a família, estava atrasado, e um telefonema anônimo à ECEME às 18h00 denunciou a presença do Ministro e afirmou que fazia-se o possível para atrasar o vôo. Ali acabou preso por um ínfimo time da ECEME e IME.[l] Os legalistas, tendo superioridade material, fracassaram em salvar o ministro. Já os aprisionadores não perceberam os outros ministros ali presentes e logo soltaram Jurema.[61] Castelo Branco saiu de seu esconderijo às 17h45 e se dirigiu ao Forte de Copacabana, onde foi recebido como ministro da Guerra com uma salva de tiros. Os tiros assustaram os habitantes da Zona Sul e a salva foi interrompida. Saiu do ar o rádio do general Alvim, que tentava convencer o comandante do Forte Duque de Caxias. Enquanto o pessoal estava em "polvorosa" o major Grael por iniciativa própria juntou alguns oficiais e um caminhão e, em 20-30 minutos, capturou o Duque de Caxias.[46][62] Quem de fato ocupou o Ministério da Guerra foi Costa e Silva, que adentrou o Palácio Duque de Caxias com seus homens ao redor das 17h00 para se autonomear ministro.[63] A disputa de poder se prolongaria. Partilharam-se as nomeações.[46] Enquanto isso, também às 17h00 o almirante Augusto Rademaker adentrou o prédio do Ministério da Marinha com um grupo de oficiais. Eles esperavam encontrar resistência, mas o ministro Paulo Mário da Cunha Rodrigues aceitou a perda do cargo, assumido então por Rademaker.[64] Às 02h00 do dia 2 Oromar Osório entregou o comando da Vila Militar.[65] A ECEME prosseguiu com suas missões de apreensão, como do general Osvino Ferreira Alves, até pelo menos o dia 3, e as aulas demoraram dias a voltar. Choviam boatos de uma investida dos derrotados, a partir da meia-noite: sargentos do I Exército matariam os oficiais, fuzileiros desembarcariam na Praia Vermelha e, com portuários, tomariam o Forte de Copacabana e o major Costa Braga, comandante do Forte do Macaé, planejava restaurar Jango ao poder. Nenhum se cumpriu.[66] Na Escola de Artilharia da Costa foi desbaratado um plano de reação, no Forte de São João, do capitão Nogueira, intendente, e dois sargentos, esperando adesão na Escola de Educação Física.[67] Notas
ReferênciasCitações
Fontes
|