Linchamento de ChapecóO Linchamento de Chapecó foi um episódio da história catarinense ocorrido em 18 de outubro de 1950, em que quatro homens, presos por suspeita de incendiarem a Igreja Católica da cidade, foram linchados e queimados no pátio da cadeia municipal na cidade. HistóricoOs fatos que levaram ao Linchamento de Chapecó tiveram início entre a terça-feira e a quarta-feira de carnaval de 1950, quando o Clube Recreativo Chapecoense, cujo ecônomo era Orlando de Lima, natural de Iraí, pegou fogo e acabou destruído[1]. Orlando tinha seguro das bebidas e do mobiliário da copa e foi apontado como suspeito. O delegado de polícia da cidade, Arthur Argeu Lajús, prometendo dar desfecho favorável a Orlando de Lima no inquérito instaurado, exigiu de Orlando Cr$ 15.000,00 de propina. Orlando se consultou com José de Miranda Ramos, seu advogado, e não pagou o suborno[2]. Pequenos incêndios ocorriam na cidade na época. Em geral, casas e galpões velhos, de madeira, pegavam fogo enquanto casas vizinhas, cujos moradores acudiam, eram furtadas. Em 4 de outubro de 1950, quando ainda se contavam os votos das eleições municipais daquele ano, outro incêndio ocorreu. Desta vez, a Igreja católica, também de madeira, foi queimada. O padre Roberto Ebbert rezou uma missa no barracão anexo à igreja, pregando que "quem queimou a nossa igreja tem que morrer queimado"[3][4]. Na madrugada seguinte, de 6 para 7 de outubro, o alvo foi a serraria Domingos Baldissera & Irmãos Ltda. Um pequeno incêndio teve início e os irmãos Baldissera prontamente acudiram, debelando o fogo. Um suspeito havia sido visto durante a tarde anterior nas cercanias. O fato foi comunicado ao delegado. Arthur Argeu Lajús então passou a interrogar os suspeitos, chegando a Ivo de Oliveira Paim e Romano Ruani. Ambos estavam hospedados no Hotel do Comércio de passagem pela cidade e com eles foram encontrados um revólver, duas facas e uma guaiaca com Cr$ 6.000,00, reconhecidos pelos irmãos Baldissera como de sua propriedade[1]. Orlando de Lima, o ecônomo do Clube Recreativo Chapecoense, tinha voltado de Iraí para Chapecó e também estava hospedado no mesmo hotel, o que fez as suspeitas pairarem sobre a sua pessoa também, ainda mais porque era amigo de longa data de Romano. Os três, Romano Ruani, Ivo de Oliveira Paim e Orlando de Lima foram presos na pequena cadeia local, nas celas 1 e 5. Como Orlando não confessava o delito, o delegado Lajús mandou capangas levarem os presos, um a um, para uma área rural de sua propriedade, na Serra do Goio-En, um local conhecido como Tope da Polaca, onde foram torturados. As torturas consistiram em amarrar o escroto dos presos com uma corda, que era atada ao pescoço do torturado. Os torturadores então espetavam uma faca nas nádegas para fazerem as vítimas se assustarem e enforcarem os testículos. Golpes de canos de borracha, chutes no abdome e farpas de bambu sob as unhas também foram aplicados. Como Orlando continuava sem confessar, Romano Ruani, cedendo às torturas, e notando ser esta a intenção do delegado, delatou Orlando de Lima e o acusou de participação no incêndio da igreja. Sabendo da prisão de seu irmão, Armando de Lima veio de Iraí para Chapecó para tentar auxiliá-lo em sua defesa. Foi também preso e mantido incomunicável pelo delegado Arthur Argeu Lajús. As torturas seguiram nos dias seguintes dentro da cadeia, a ponto de Ivo de Oliveira Paim apresentar fortes sangramentos pela boca e pelo ânus[1]. Um outro membro da família Lima, tomando notícia dos fatos, veio para Chapecó. Luiz Lima chegou e logo se dirigiu ao fórum para pedir ao juiz proteção aos seus irmãos e à sua pessoa. Um dos pedidos requeria a transferência dos presos para a comarca vizinha de Joaçaba. O juiz demorou a despachar e logo o pedido de transferência vazou pela cidade. Por ordem do delegado, as comunicações telegráficas da família Lima não eram transmitidas. Luiz Lima não conseguiu comunicar-se com seu advogado, em Erechim, e teve de se deslocar para lá. Enquanto isso, arrependido, Romano Ruani pediu para falar com Orlando de Lima em sua cela. O cabo Arantes Gonçalves de Araújo permitiu. Romano ajoelhou-se e, de mãos postas, pediu perdão a Orlando por tê-lo acusado falsamente do incêndio na igreja. Ao saber do fato, o delegado Lajús negou-se a registrar a retratação em depoimento. Preparativos para o ataque à cadeiaAo tomar ciência do pedido de transferência, o delegado de polícia organizou, com a ajuda de Emílio Loss, dono de um posto de gasolina, um ataque à cadeia. Emílio passou a convidar os membros do catolicismo local para uma reunião, na noite de 17 para 18 de outubro de 1950. O objetivo era linchar os presos antes que fossem transferidos. Para tanto, uma lista foi confeccionada, e os convidados assinavam o documento como sinal de fidelidade à causa. Com um veículo emprestado para este fim por Aurélio Turatti, dono de um moinho na cidade, Emílio convidou dezenas de homens para o evento. Aos convidados era sugerido que trouxessem os demais parentes homens e os empregados das propriedades rurais. Deviam trazer armas, paus e facões. O ponto de encontro foi o barracão anexo à igreja, a poucos metros da cadeia. Arthur Argeu Lajús, o delegado de polícia, retirou as armas dos guardas civis e os dispensou do trabalho na cadeia e deixou apenas um cabo da polícia militar guarnecendo a prisão. O linchamentoNa noite de 17 de outubro de 1950, perto da meia-noite, aproximadamente duzentos homens se reuniram com armas, tochas, lanternas, paus e facões no barracão da igreja de Chapecó. Sob o comando de Emílio Loss, dividiram-se em três grupos. Um era incumbido de tomar a igreja pela frente e o outro pelos fundos. Um terceiro grupo deveria disparar tiros para o alto e impedir a aproximação de outras pessoas ou da polícia[5]. O cabo Arantes tentou conter os linchadores, pedindo que poupassem pelo menos os inocentes Orlando e Armando. Sob a ameaça de um revólver, no entanto, cedeu passagem e se afastou. Os homens quebraram os cadeados das celas com pedras e atacaram os presos com tiros e golpes de facão. Depois de mortos, foram todos empilhados nos fundos da cadeia. Alberto Baldissera tinha trazido um galão de gasolina em seu caminhão. O combustível foi derramado sobre os presos por Colorindo Rabeskini e Jovino de Mello riscou um fósforo para consumar o delito. O processoAo ser acordado naquela madrugada para tomar ciência dos fatos, o juiz de direito José Pedro Mendes de Almeida mandou instaurar inquérito policial e realizar exame de corpo de delito nos mortos. Pelo Serviço Telegráfico da Polícia Militar, em radiograma de 18 de outubro de 1950, o promotor de justiça José Daura comunicou os fatos ao procurador-geral do Estado e pediu que o delegado regional de Joaçaba viesse para a cidade para "rigoroso inquérito". Os fatos foram comunicados ao secretário de Segurança Pública Lara Ribas, que despachou, de Joaçaba, o capitão José Carlos Veloso para presidir o inquérito. Ainda quando aguardavam os cadáveres o exame, os jornalistas José Leal e Flávio Damm, da Revista O Cruzeiro, chegaram de avião a Chapecó para registrar a matéria.[6] À medida que ia interrogando os suspeitos e inquirindo as testemunhas, o capitão Veloso requeria a prisão preventiva dos responsáveis pelo linchamento. Ao todo foram presos preventivamente 71 réus, inclusive do delegado Arthur Argeu Lajús[3]. Sem lugar na pequena cadeia local, os presos ficaram alojados no Moinho Santo Antônio, requisitado pelo capitão Veloso para servir de presídio. O moinho hoje está abandonado e é objeto de processo de tombamento pela Prefeitura Municipal[7]. O promotor de justiça José Daura elaborou a acusação formal, responsabilizando em sua denúncia 83 homens pelos crimes de quádruplo homicídio, lesões corporais (tortura), arrebatamento de preso, violência arbitrária e vilipêndio a cadáver. Arthur Argeu Lajús, além dos demais crimes, foi acusado de corrupção passiva, por ter pedido propina a Orlando de Lima[8]. Os julgamentos ocorreram na comarca de Porto União, a 250 km de Chapecó, a pedido da promotoria, para que o julgamento fosse imparcial. Em 6 de novembro de 1952, em sessão que durou 23 horas, Emílio Loss foi condenado a 24 anos de reclusão pela morte dos irmãos Lima e cumpriu 12 anos da pena na prisão, sendo os outros 12 anos em livramento condicional. O júri o absolveu dos demais crimes e da morte de Ivo de Oliveira Paim e de Romano Ruani, por tentativa impossível, acatando o argumento da defesa de que ambos já se encontravam mortos quando do linchamento. Os outros réus foram absolvidos em 8 de novembro de 1952, em julgamento que levou 19 horas. O delegado Arthur Argeu Lajús só foi julgado em 31 de março de 1953, condenado à pena de 25 anos e 9 meses. Jovino de Mello, Pedro Campagnolo, Alcebíades de Oliveira Porto, Fernando Nardi e Abel Bertoletti foram condenados a dois anos de prisão. Recorrendo da sentença, o delegado Lajús obteve a anulação do processo no STF[9]. Seu segundo julgamento foi marcado para o dia 28 de novembro de 1956, desta vez no já reconstruído Clube Recreativo Chapecoense[3], cidade onde havia sido prefeito. No corpo de jurados estava Arnaldo Mendes, compadre de Lajús[3]. O delegado foi absolvido por unanimidade.
RegistrosVicente Morelatto, professor da Linha Tigre, publicou em 1954 um poema de cordel chamado "História do incêndio da igreja de Chapecó e o linchamento de quatro presos" e morreu em situação misteriosa depois da publicação.[10][11] O Memorial do Ministério Público contém livro com entrevista com o promotor do caso à época.[12] Em 1979 foi publicada a peça teatral "O Incêndio" de Jorge Andrade, baseada nos acontecimentos do linchamento dos acusados e o incêndio da Igreja[13]. A íntegra do processo do Linchamento foi disponibilizada na internet pelo Ministério Público em 2017. O Memorial do Ministério Público publicou livro com a transcrição integral do processo e entrevista com o promotor do caso.[14][15] O livro "O linchamento que muitos querem esquecer", de Mônica Hass[16], de 2013, realizou ampla pesquisa histórica sobre o fato. Em 2018, Jean Vilbert lançou "A dança dos incêndios", romance histórico que se passa no período e retrata com fidelidade os acontecimentos. O curta-metragem "O Poeta do Cordel", de 2021, da Margot Filmes retratou a vida de Vicente Morelatto. Ver tambémReferências
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