Anne Frank
Annelies "Anne" Marie Frank[n 2] (Frankfurt, 12 de junho de 1929 — Bergen-Belsen, fevereiro ou março de 1945)[n 3] foi uma adolescente alemã de origem judaica, vítima do Holocausto. Tornou-se uma das figuras mais discutidas da história após a divulgação póstuma do Diário de Anne Frank (1947), no qual documentou suas experiências enquanto vivia escondida em cômodos ocultos de uma empresa durante a ocupação alemã nos Países Baixos na Segunda Guerra Mundial. Desde então, passou a ser referida como um "símbolo da luta contra o preconceito" e teve sua história servindo como base para diversas peças de teatro e filmes ao longo dos anos. Em 1999, foi contemplada como uma das pessoas mais importantes do século XX em uma lista organizada pela revista Time. Com o crescente número de manifestações antissemitas na Alemanha em 1933, um resultado da ascensão do Partido Nazista ao governo alemão, a família de Frank começou a temer em continuar no país, mudando-se no ano seguinte para Amsterdã. Em maio de 1940, após a invasão nazista aos Países Baixos, aumentaram gradativamente as perseguições aos judeus, além de terem sido criadas leis que os proibiam de frequentar diversos estabelecimentos. Dois anos depois, a família decidiu se esconder em compartimentos secretos de um edifício comercial, dividindo-o com mais quatro amigos. Em 4 de agosto de 1944, o grupo foi traído misteriosamente e teve a localização do esconderijo revelada para a Gestapo, acabando por serem transferidos para diversos campos de concentração. Em companhia de sua irmã, Margot Frank, a jovem foi transportada até Bergen-Belsen, onde, provavelmente, morreram vítimas de tifo epidêmico, em um dia desconhecido de fevereiro ou março de 1945. Após o final da guerra, o único sobrevivente do grupo foi o pai de Anne, Otto Frank, que retornou para Amsterdã e descobriu que o diário da filha havia sido salvo por Miep Gies, uma das funcionárias da empresa que havia ajudado a família durante a vida em esconderijo. Otto publicou o diário em 1947 e, desde então, foi traduzido para mais de 70 línguas e comercializou cerca de 35 milhões de unidades em todo o mundo.[10][11] Além disso, autores têm reconhecido o impacto do livro sobre a humanidade ao longo dos anos, sendo referido como fonte de incentivo para políticos como Nelson Mandela e Eleanor Roosevelt. Em 1960, foi inaugurado o museu Casa de Anne Frank, ponto turístico que tem atraído mais de 1,2 milhão de visitantes anualmente. InfânciaImigração e educação (1929–1941)Annelies Marie Frank[n 2] nasceu no dia 12 de junho de 1929 em Frankfurt, Prússia, na República de Weimar, sendo a última filha de Otto Heinrich Frank (1889–1980) e Edith Holländer-Frank (1900–1945).[12] Sua irmã mais velha era Margot (1926–1945).[13] A família Frank eram asquenazitas[14] liberais, ou seja, não seguiam todos os costumes e tradições do Judaismo;[15] desta forma, viviam em uma comunidade assimilada com outros cidadãos judeus e não judeus de diversas religiões.[5] Edith e Otto eram pais dedicados, demonstravam interesse principal em atividades acadêmicas e possuíam em sua residência uma extensa biblioteca;[16][17] além disso, costumavam incentivar suas filhas a lerem desde cedo.[18] O patriarca da família era um veterano de guerra, tendo servido o Exército Imperial Alemão na Primeira Guerra Mundial;[19] após sua atuação na Batalha de Cambrai, foi promovido a tenente.[20] Após a guerra, Frank e seus irmãos assumiram a propriedade de um banco de negócios na cidade que anteriormente pertencia à seu pai, de onde tirava a maior parte da renda da família, mas o negócio entrou em declínio no início da década de 1930 como um resultado da Grande Depressão.[5][21] Em março de 1933, após o Partido Nazista sair vitorioso na eleição federal e seu líder, Adolf Hitler, ter sido nomeado Chanceler da Alemanha, começaram a ocorrer manifestações antissemitas massivas no país, fazendo com que a família Frank começasse a questionar a possibilidade de emigração.[22] Inicialmente, Edith se mudou com as filhas para a casa de sua mãe, Rosa Holländer, localizada em Aachen, cidade que faz fronteira com a Bélgica e os Países Baixos.[23][24] Otto permaneceu em Frankfurt, mas após receber uma proposta de iniciar uma companhia em Amsterdã, decidiu se mudar para organizar o negócio e arrumar acomodações para sua família.[25] Após iniciar uma filial da Opekta Works, especializada em comercialização da pectina — ingrediente usado na preparação de geleias —, ele encontrou um apartamento em Rivierenbuurt, bairro onde a maioria dos judeus de origem alemã haviam se estabelecido.[26][27] Edith e Margot foram de encontro ao patriarca da família em dezembro de 1933; Anne, por outro lado, permaneceu com a avó até fevereiro de 1934.[28] A família Frank fez parte do grupo de 300 mil judeus que deixaram a Alemanha entre 1933 e 1939.[29] Em Amsterdã, as crianças foram matriculadas em escolas: Margot foi para uma instituição pública, enquanto Anne foi para um instituto que praticava o Método Montessori — técnica projetada por Maria Montessori e que foi expressamente proibida no início do Terceiro Reich.[30][31] Apesar dos problemas iniciais com a língua neerlandesa, Margot se mostrou uma boa aluna com habilidades em aritmética, enquanto Anne se mostrava melhor em história, além de apreciar ler e escrever.[32][33] Mais tarde, uma de suas colegas de classe, Hanneli Goslar, relembrou que a jovem escrevia com frequência, embora ela protegesse seu trabalho e se recusasse a discutir sobre o conteúdo de sua escrita.[34] As irmãs Frank possuíam personalidades distintas; Margot era educada, tímida e estudiosa, enquanto Anne era sincera, energética e extrovertida.[16] Em 1938, Otto decidiu expandir seus empreendimentos e dar início à uma nova companhia; intitulada como Pectacon, o negócio seria especializado na comercialização de ervas, sais de decapagem e temperos mistos, usados posteriormente na produção de salsichas.[35] Para dar continuidade ao projeto, Hermann van Pels foi contratado para prestar serviços como consultor de especiarias;[36] assim como Otto, ele havia fugido com sua família após o início das perseguições aos judeus em Osnabruque, na Baixa Saxônia, onde se sustentava desempenhando trabalhos como açougueiro.[37] Ambos tornaram-se bons amigos, as famílias se aproximaram e costumavam organizar reuniões aos sábados para apresentar a cidade aos novos refugiados judeus de origem alemã.[38] No ano seguinte, a avó, Rosa Holländer foi o último membro da família a imigrar definitivamente para os Países Baixos, passando a viver na residência dos Frank.[39] Em maio de 1940, a Alemanha Nazista invadiu os Países Baixos e o governo de ocupação deu início às perseguições aos judeus com implementação de leis restritivas e discriminatórias; registros obrigatórios e segregações aconteceram posteriormente.[40] Por exemplo, Anne e Margot foram proibidas de continuar frequentando as escolas em que estavam matriculadas, sendo direcionadas para instituições próprias para judeus;[41] além disso, eram obrigadas à se identificarem com a estrela de Davi costurada em suas vestimentas.[42] Em abril de 1941, em uma tentativa de evitar que suas companhias fossem confiscadas por serem propriedades de um judeu, Otto transferiu suas ações e liquidou as empresas, transferindo seus ativos para Jan Gies, um de seus principais colaboradores.[43][44] Os lucros dos negócios continuaram com poucas mudanças e, apesar de receberem uma renda mínima, era suficiente para sustentar a família.[45] No mesmo período, ele tentou conseguir visto nos Estados Unidos para sua família;[46] no entanto, o pedido nunca foi processado devido ao fechamento do consulado norte-americano em Roterdã, consequência da destruição na cidade após a Batalha dos Países Baixos.[47] Período narrado no diárioAntecedentes e esconderijo (1942)No início de 1942, Anne lidou com a morte da sua avó, Rosa Holländer, e começou a frequentar uma instituição de ensino destinada apenas para judeus, passando a ser proibida de ter contato com crianças de outras etnias.[48] Em seu aniversário de treze anos, em 12 de junho, foi presenteada por seus pais com um livro de autógrafos que havia demonstrado interesse anteriormente enquanto passava por uma vitrine; encadernado com um tecido xadrez em vermelho e branco, o material era composto por um pequeno cadeado em sua parte frontal.[49][50] Anne decidiu que o usaria como diário, nomeando-o como "Kitty", escrevendo pela primeira vez em 20 de junho;[51] embora suas primeiras anotações fossem relacionadas aos aspectos mundanos de sua vida, discutia também sobre mudanças no bairro onde residia, além de listar as diversas restrições impostas sobre a comunidade judaica pelo governo de ocupação nos Países Baixos.[52] Além disso, esboçou em algumas passagens o sonho em tornar-se uma atriz, destacando que assistir filmes era um de seus passatempos favoritos; porém, os judeus foram proibidos de frequentarem as salas de cinema a partir de 8 de janeiro de 1941.[53] Ao passo em que as perseguições aos judeus tornavam-se cada vez mais frequentes, Otto Frank começou a planejar a mudança de sua família para cômodos ocultos do edifício comercial onde funcionava as instalações de sua filial da Opekta Works.[43] No entanto, em 5 de julho de 1942, Margot Frank recebeu uma notificação do Escritório Central de Emigração Judaica[n 4] ordenando que ela se dirigisse para um campo de concentração, o que fez com que os planos da família fossem adiantados.[58] Após ser informada do esconderijo, Anne entregou um livro, um jogo de chá e uma lata de bolas de gude para sua vizinha, Toosje Kupers, dizendo: "Estou preocupada com minhas bolas de gude, porque tenho medo que elas caiam em mãos erradas. Você poderia guardá-las para mim por um tempo?".[59] Além disso, a família Frank deixou um bilhete pedindo que os Kupers adotassem o gato da família, Moortje;[60] em um dos trechos do recado, foi plantada pistas falsas que sugeriam que eles haviam se mudado para a Suíça, onde residiam alguns dos parentes de Otto.[61] Na manhã de 6 de julho de 1942, a família Frank foi em direção ao esconderijo;[62] ao deixar o apartamento, foi criado um estado de desordem nos cômodos para que fosse passada a impressão de que eles haviam deixado o local de forma repentina.[63] Como os judeus eram proibidos de utilizarem transportes públicos, eles precisaram caminhar quatro quilômetros para chegarem até as instalações da companhia;[63] além disso, para não serem pegos carregando malas, vestiram diversas camadas de roupas para que conseguissem transportar o maior número de peças possíveis até a nova moradia.[64] O Anexo Secreto[n 5] era formado por acomodações ocultas de três andares, com dois quartos pequenos, bem como um banheiro no primeiro andar; sua parte de cima era composta por uma grande sala, com outra menor ao lado — a partir desta menor, havia uma escada que levava em direção ao sótão.[66] Para garantir que o lugar permanecesse desconhecido, sua porta de entrada foi coberta por uma estante de livros que fazia parte de um dos escritórios da Opekta Works.[67] Entre os funcionários da empresa, apenas Miep Gies, Victor Kugler, Johannes Kleiman e Bep Voskuijl possuíam conhecimento sobre a existência das acomodações ocultas, auxiliando a família com alimentos e outras de suas necessidades rotineiras.[68] Apesar de Jan Gies e Johannes Hendrik Voskuijl não serem funcionários, faziam parte do círculo de confiança dos Frank e desempenharam papéis importantes na sobrevivência da família, principalmente no que dizia respeito aos negócios e informações sobre os desenvolvimentos da guerra e notícias sobre o cenário político.[69] Em algumas passagens do diário, Anne reconheceu a coragem e dedicação do grupo, bem como seus respectivos esforços para mantê-los confiantes durante os momentos de maior perigo.[70] Era de conhecimento dos ajudantes que, se descobertos, poderiam enfrentar a justiça e até serem condenados a pena de morte por abrigarem judeus.[71] Posteriormente, o esconderijo recebeu novos moradores: em 13 de julho, a família van Pels se instalou nas acomodações;[72] no final do ano, foi a vez de Fritz Pfeffer, dentista e amigo de ambas famílias.[73] Inicialmente, Anne mostrou-se animada por receber novas companhias; no entanto, as tensões rapidamente se desenvolveram dentro do grupo que era forçado a conviver confinados em tais condições.[74] Ao longo do período de isolamento, a jovem entrou em diversas discussões com Auguste van Pels, criticando principalmente sua postura "insensata".[75] Além disso, após compartilhar um dos quartos com Pfeffer, começou a considerá-lo "insuportável", ressentindo sua intromissão.[76] Hermann e Pfeffer também eram reprovados por suas atitudes "egoístas", particularmente no que se referia ao consumo de comida dentro do grupo.[77] Apesar de inicialmente tê-lo rejeitado, Anne desenvolveu intimidade com Peter van Pels, com quem deu seu primeiro beijo e iniciou um romance.[78] Por outro lado, sua paixão por ele começou a diminuir depois que começou a questionar se os sentimentos eram genuínos ou resultados de um confinamento compartilhado.[79] Otto relembra que a jovem estabeleceu um vínculo estreito com cada um dos ajudantes, mostrando-se ansiosa por suas visitas diárias, principalmente com a de Bep Voskuijl, com quem ela "costumava cochichar pelos cantos".[80] Relações e amadurecimento (1943–1944)Ao passar do tempo no esconderijo, Anne aprimorou sua escrita e passou a examinar sua relação com membros da família, além de enfatizar as fortes diferenças de personalidades de cada um deles.[81] Particularmente, ela se sentia mais próxima emocionalmente de seu pai, Otto Frank, que mais tarde avaliou: "Eu tive um melhor [relacionamento] com Anne do que com Margot, que era mais próxima de sua mãe. A razão para isso talvez seja porque ela raramente mostrava seus sentimentos e não precisava de tanto apoio por não sofrer de mudanças de humor como Anne".[82] As irmãs Frank desenvolveram um relacionamento mais próximo do que havia existido entre elas antes do período de confinamento no Anexo Secreto; por outro lado, Anne costumava expressar ciúmes de sua irmã mais velha, principalmente quando membros do grupo criticavam sua falta de gentileza e tranquilidade, principalmente quando comparada às características da personalidade de Margot.[83] Ao passo em que Anne amadurecia, as irmãs foram capazes de confiarem uma na outra; em 12 de janeiro de 1944, ela escreveu no diário que "Margot estava muito mais agradável" e que caminhava para se tornar uma "verdadeira amiga".[84] Em diversas passagens do diário, Anne escreveu sobre as dificuldades em seu relacionamento com a mãe, Edith Frank, destacando seu sentimento ambivalente em relação a ela.[85] Em 7 de novembro de 1942, descreveu o "desprezo" que sentia por sua mãe e a sua incapacidade de "confrontá-la com seu descuido, seu sarcasmo e sua dureza de coração", concluindo posteriormente que Edith não significava "uma mãe para [ela]".[86] Por outro lado, em uma revisão sobre trechos anteriores de seu diário, ela demonstrou vergonha por sua atitude radical: "Anne, você realmente demonstrou ódio, oh Anne, como pôde?".[87] A partir desse momento, passou a compreendeu suas diferenças e ponderou que as brigas não passavam de "mal-entendidos", resultados de atitudes de ambas. Além disso, percebeu que isso aumentava o sofrimento de Edith; com essa percepção, passou a tratá-la com um grau de tolerância e respeito por sua figura como mãe.[88] Embora as irmãs Frank estivessem escondidas, continuaram desempenhando seus estudos e esperavam retornar para a escola assim que a guerra terminasse.[89] Durante o período no esconderijo, Margot realizou um curso a distância de taquigrafia usando o nome de Bep Voskuijl, recebendo notas altas por seus esforços.[90] A maior parte do tempo de Anne foi gasto lendo e estudando, além de escrever e editar (após março de 1944) seu diário com regularidade.[91][92] Além de narrar eventos à medida em que eles ocorriam, ela descreveu seus sentimentos, suas crenças, sonhos e ambições, assuntos que pensava não poder compartilhar com mais ninguém.[93] Após amadurecer, sua confiança como escritora aumentou gradativamente, passando a escrever sobre assuntos mais abstratos como sua crença em Deus e como ela definia a natureza humana.[94][95] Em 5 de abril de 1944, Anne escreveu sobre o seu desejo em tornar-se uma jornalista ou escritora:[96]
PrisãoNa manhã de 4 de agosto de 1944, a localização do Anexo Secreto foi invadida por um grupo da polícia uniformizada alemã, liderado pelo SS-Oberscharführer Karl Silberbauer do serviço de inteligência Sicherheitsdienst.[97] Desta forma, a família Frank, os van Pels e Fritz Pfeffer foram presos e levados para a sede da RSHA, onde foram interrogados e passaram a noite.[98] No dia seguinte, foram transferidos para a casa de detenção Huis van Bewaring, uma prisão superlotada em Weteringschans.[99] Em 7 de agosto, foram transportados para o campo de concentração de Westerbork onde, naquela época, já havia servido como destino para cerca de 100 mil judeus, principalmente neerlandeses e alemães.[100] Depois de terem sido presos por viverem em um esconderijo, eles foram considerados criminosos e, como consequência, foram enviados para o quartel de punição para realizarem trabalho forçado.[101] Victor Kugler e Johannes Kleiman foram detidos e encarceradas no campo penal em Amersfoort, considerados como inimigos da Alemanha Nazista.[102] Embora Kleiman tenha sido libertado após sete semanas, Kugler foi transportado para diversos campos de trabalho até o final da guerra.[103] Miep Gies e Bep Voskuijl foram interrogadas e ameaçadas pela policia de segurança, mas não foram presas.[104] Ambas retornaram para o esconderijo, onde encontraram trechos do diário de Frank espalhados pelo chão; após recolherem os papéis, bem como algumas fotografias, elas decidiram que iriam devolver os pertences para Anne após o final da guerra.[105] Em 7 de agosto, Gies tentou subornar Silberbauer para que realizasse a libertação do grupo, mas ele se recusou.[106] Embora tenha havido alegações persistentes de traição por parte de um informante, a fonte da informação que levou as autoridades a invadirem o Anexo Secreto nunca foi identificada.[107] Em abril de 1944, houve um roubo nas instalações da Opekta Works, onde o vigia noturno Martin Sleegers e um policial não identificado foram chamados para investigar e observaram a estante que servia para esconder a entrada dos cômodos ocultos.[108] No entanto, Buddy Elias — sobrinho de Otto Frank — compartilha a teoria de que o delator do esconderijo tenha sido Tonny Ahlers, um membro do Movimento Nacional Socialista nos Países Baixos.[109] Ahlers sabia que a empresa pertencia a Otto e, no passado, havia entrado em uma discussão pública com ele por conta de divergências sobre as chances de Adolf Hitler em uma provável guerra.[110] Outro suspeito é Wilhelm van Maaren, gerente de estoque da companhia; descrito como "curioso",[111] ele já havia criado armadilhas no edifício para descobrir a existência de pessoas escondidas e, certo dia, perguntou inesperadamente para outros funcionários se anteriormente havia existido um senhor chamado Otto Frank atuando no escritório.[112][113] Em 2018, Joop van Wijk — filho mais novo de Bep Voskuijl — desenvolveu uma biografia sobre a mãe e levantou a hipótese de que sua tia, Nelly (1923–2001), pode ser a responsável pela descoberta do esconderijo.[114] De acordo com Wijk, sua tia desaprovava a atuação de sua mãe e seu avô, Johannes Hendrik Voskuijl, de ajudarem judeus durante a guerra;[115] de fato, Nelly foi uma colaboradora da Gestapo quando tinha entre 19 e 23 anos.[116] No mesmo ano, no entanto, foi revelado que a informante tenha sido Ans van Dijk, uma judia que cooperava com os nazistas e revelou a localização de 145 pessoas entre 1943 e 1944.[117] Ambas as suspeitas não foram comprovadas; no entanto, Karl Silberbauer, o oficial responsável pela prisão do grupo, relembra que o telefonema do informante partiu da "voz de uma jovem mulher".[118] Por outro lado, em 2019, a Casa de Anne Frank publicou uma nova pesquisa sugerindo que a ida de oficiais até o edifício comercial da Opekta Works tenha sido uma provável fraude na distribuição de cupons de alimentos, cujas atividades ilegais estavam em processo de investigação;[107] apesar da nova descoberta, não foi descartada a possibilidade de traição.[119] Deportação e morteEm 3 de setembro de 1944, integrantes do Anexo Secreto fizeram parte do grupo que foram deportados para o que seria o último transporte do campo de concentração de Westerbork para o de Auschwitz, chegando após uma viagem de três dias;[120][121] no mesmo trem, estava Bloeme Evers-Emden, natural de Amsterdã, que iniciou uma amizade com Anne e Margot Frank na instituição de ensino para judeus em 1941.[122] Bloeme relembra ter visto com regularidade as irmãs e Edith Frank em Auschwitz,[123] sendo entrevistada diversas vezes para relatar suas memórias sobre elas no campo de concentração, incluindo no documentário The Last Seven Months of Anne Frank (1988) por Willy Lindwer,[124] bem como para o especial da BBC, Anne Frank Remembered (1995).[125] Após o desembarque em Auschwitz, a Schutzstaffel forçou uma divisão entre homens, mulheres e crianças, com Otto Frank sendo separado do restante de sua família.[126] Após uma avaliação inicial, os que foram considerados aptos para o trabalho foram admitidos, enquanto os inaptos para cumprirem as tarefas do campo foram imediatamente executados;[127] em relatórios divulgados, dos 1.019 passageiros do trem, 549 — incluindo todas as crianças menores de quinze anos — foram enviados para as câmaras de gás.[128][129] Anne, que havia completado quinze anos três meses antes, foi uma das pessoas mais jovens poupadas da morte que haviam chegado naquele transporte.[130] Posteriormente, ela foi informada de que mais da metade dos passageiros haviam sido mortos nas câmaras de gás após o desembarque e nunca teve conhecimento de que todo o grupo do Anexo Secreto havia sido selecionado para executarem o trabalho forçado.[131] Imediatamente, ela pensou que seu pai, Otto Frank — com mais de cinquenta anos e não particularmente robusto —, teria sido executado após a separação.[132] Em companhia de todas as mulheres e garotas aptas para o trabalho do campo, Anne foi forçada a se despir para ser "desinfetada", teve sua cabeça raspada e foi tatuada com um número de identificação em seu braço.[130] Durante o dia, elas eram usadas para o trabalho escravo, forçadas a carregar pedras e cavar rolos de grama; à noite, eram amontoadas em barracas superlotadas.[133] Mais tarde, alguns testemunhos relatam que Frank se tornou uma garota retraída e triste, principalmente quando viu crianças serem levadas para as câmaras de gás; outros, no entanto, narram que ela demonstrava com frequência uma postura forte e corajosa.[133] Sua personalidade extrovertida e confiante permitiu que obtivesse rações extras de pão para sua mãe e irmã.[133] Em campos de concentração, as doenças tornavam-se cada vez mais frequentes; em pouco tempo, a pele de Anne foi gravemente infectada pela sarna.[134] As irmãs Frank precisaram ser transferidas para a enfermaria, local em um estado de escuridão e infestado por ratos e camundongos.[135] Edith parou de comer, guardava cada pedaço de comida para suas filhas, passando alguns alimentos para elas por um buraco feito na parede nos fundos da enfermaria.[135] Em outubro de 1944, Anne, Margot e Edith foram selecionadas para embarcar em um trem com destino a um campo de trabalho na Alta Silésia; por outro lado, Anne foi proibida de se juntar ao grupo por não ter se recuperado da infecção e, desta forma, sua mãe e irmã decidiram permanecer em Auschwitz.[125] Entre outubro e novembro de 1944, começaram as seleções de mulheres para serem realocadas para o campo de concentração de Bergen-Belsen. Mais de 8 mil mulheres, incluindo Anne, Margot e Auguste van Pels, foram transportadas;[136] Edith Frank, no entanto, ficou para trás e morreu de fome.[137] Ao passo em que a população em Bergen-Belsen aumentava, foram erguidas tendas para acomodarem a abundância de prisioneiros; no mesmo período, as doenças no campo se tornavam cada vez mais frequentes.[138] Em Bergen-Belsen, Anne se reuniu brevemente com duas amigas, Hanneli Goslar e Nanette Blitz, que estavam confinadas em outra seção.[139] Ambas sobreviveram à guerra e discutiram sobre as breves conversas que tiveram com a jovem através de uma cerca.[140] Blitz descreveu Anne como "careca, magra e trêmula";[141] Goslar, por sua vez, observou que Auguste van Pels estava com elas e cuidava de Margot, naquele momento gravemente doente.[142] Blitz e Goslar relembram que Anne acreditava que seus pais estavam mortos e, por essa razão, ela não queria mais viver.[139] Mais tarde, Goslar estimou que seus encontros com Frank ocorreram no final de janeiro ou início de fevereiro de 1945.[143] No início de 1945, uma epidemia de tifo se espalhou por todo o campo de concentração, matando cerca de 17 mil prisioneiros.[144] Outras doenças, incluindo febre tifoide, também eram frequentes.[145] Devido à essas condições, não é possível determinar o que causou a morte de Anne; testemunhas declaram que Margot caiu de sua cama em seu estado debilitado e foi morta pelo impacto — sua irmã faleceu um dia depois.[146][147] As datas exatas das mortes das irmãs Frank são desconhecidas.[7] De acordo com testemunhas oculares do campo de concentração de Bergen-Belsen, elas começaram a exibir sintomas de tifo a partir de 7 de fevereiro;[148] conforme levantado por autoridades de saúde, infectados pela doença que não se tratam podem falecer até doze dias após o início dos sintomas.[149] Em 15 de abril de 1945, prisioneiros do campo foram libertados pelo Exército Britânico; posteriormente, o local foi queimado para impedir a propagação das doenças.[150] Entre outros mortos e executados, Anne e Margot foram enterradas em valas comuns de um local desconhecido.[151] Depois da guerra, estimou-se que apenas 5 mil dos 107 mil judeus deportados dos Países Baixos sobreviveram ao Holocausto.[152] Após o final da guerra, Otto Frank foi o único membro sobrevivente do Anexo Secreto.[153] Ao retornar para os Países Baixos, foi amparado por Jan e Miep Gies — amigos que o ajudaram durante o tempo em esconderijo — enquanto tentava localizar sua família.[153] Ele soube da morte de sua esposa em Auschwitz, mas manteve-se esperançoso em relação a sobrevivência de suas filhas.[154] Depois de algumas semanas de busca, descobriu que Anne e Margot também haviam falecido;[155] ao mesmo tempo, tentou localizar o destino dos amigos de suas filhas e soube que diversos deles haviam sido assassinados.[156] Sanne Ledermann, frequentemente mencionada no diário de Frank, foi morta numa câmara de gás na companhia de seus pais; sua irmã, Barbara, uma amiga próxima de Margot, foi a única sobrevivente da família.[157] Entre outros sobreviventes da guerra, estavam os parentes de Otto e Edith que, anteriormente, haviam fugido da Alemanha em direção à Suíça, Reino Unido e Estados Unidos durante a década de 1930.[158] Diário de Anne FrankPublicaçãoEm julho de 1945, depois que a Cruz Vermelha confirmou a morte das irmãs Frank,[159] Miep Gies entregou à Otto Frank o diário e um maço de notas soltas que ela havia recolhido na esperança de devolvê-los à Anne.[160] Mais tarde, Otto comentou que não havia percebido que ela tivesse mantido um registro tão preciso e bem escrito durante o seu tempo em esconderijo; além disso, descreveu o processo de leitura como "doloroso", reconheceu os acontecimentos narrados no diário e lembrou que já havia ouvido alguns dos episódios mais divertidos lidos em voz alta por sua filha.[161] Otto comentou que havia visto pela primeira vez o lado mais privado de Anne naquelas seções do diário que ela jamais discutiria com ninguém, observando: "Para mim foi uma revelação... Eu não tinha ideia da profundidade de seus pensamentos e sentimentos. Ela guardou todos esses sentimentos para si mesma".[162] Movido pelo constante desejo de sua filha em tornar-se uma autora, ele começou a considerar a possibilidade de publicá-lo.[163] O diário começou para servir como uma expressão privada dos pensamentos da jovem; ela escreveu várias vezes que jamais permitira que alguém tivesse acesso ao seu conteúdo.[164] Anne descreveu abertamente sobre sua vida, sua família, seus companheiros de esconderijo, a situação em que se encontrava e desenvolvimentos políticos da guerra, o que ajudou que ela desenvolvesse a ambição de, posteriormente, escrever uma ficção para que fosse publicada.[164][165] Em março de 1944, enquanto ouvia uma transmissão de rádio feita por Gerrit Bolkestein — um membro do governo neerlandês no exílio situado em Londres — ficou sabendo de seu interesse em criar, após a guerra, um registro público para divulgar provas escritas do povo neerlandês sobre a opressão sofrida durante a ocupação nazista nos Países Baixos.[166] Frank decidiu que iria submeter seu trabalho quando esse momento chegasse; desta forma, ela começou a editar sua escrita, removeu algumas seções e reescreveu outras.[167] Além disso, seu diário original foi complementado por folhas soltas de cadernos que ela havia colado sobre algumas páginas.[168] Na intenção de preservar as identidades de membros do Anexo Secreto, bem como de seus respectivos ajudantes, Anne criou pseudônimos para cada um deles; por exemplo, a família van Pels tornou-se Hermann, Petronella e Peter van Daan, enquanto Fritz Pfeffer foi nomeado como Albert Düssell.[169] Para produzir a primeira versão divulgada do diário, Otto utilizou suas folhas originais (conhecidas como "versão A") combinadas com as que foram editadas pela jovem após o anúncio no rádio (conhecidas como "versão B").[170] Apesar de restaurar as identidades verdadeiras de membros de sua família, ele manteve os pseudônimos criados por Anne para cada um dos membros e ajudantes do Anexo Secreto.[171] Mais tarde, entregou o diário para a historiadora Annie Romein-Verschoor que tentou, sem sucesso, publicá-lo.[172] Verschoor entregou seu conteúdo para Jan Romein, jornalista responsável por desenvolver um artigo publicado no jornal Het Parool em 3 de abril de 1946, onde avaliou que o diário "gaguejado pela voz de uma criança incorpora toda a hediondez do fascismo mais do que qualquer evidência exposta nos Julgamentos de Nuremberg".[173] A matéria atraiu atenção de editoras, fazendo com que a primeira edição do livro fosse divulgada nos Países Baixos em 1947,[174] seguida por mais cinco edições em 1950;[175] naquele ano, estreou em livrarias da Alemanha e da França.[176] Em 1952, após ser rejeitado por diversas editoras, foi finalmente colocado para comercialização no Reino Unido e nos Estados Unidos.[177] Apesar de tornar-se um sucesso de vendas em diversos territórios, falhou em atrair atenção do público britânico e deixou de ser produzido.[178] Além do sucesso comercial, o livro foi recebido com aclamação da crítica no Japão; foram distribuídas mais de 100 mil cópias apenas em sua primeira edição, o que fez com que Anne Frank rapidamente se estabelecesse como uma importante figura cultural no território, sendo referida como o rosto que ajudava a representar a destruição da juventude durante a Segunda Guerra Mundial.[179] Em 1955, Frances Goodrich e Albert Hackett desenvolveram uma peça de teatro baseada no diário, recebendo o Prêmio Pulitzer.[180] Posteriormente, em 1959, foi elaborada uma adaptação do diário para os cinemas, acabando por vencer três das oito estatuetas em que era concorrente na 32ª edição do Oscar.[181] Shelley Winters foi premiada na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, doando seu troféu para a Casa de Anne Frank.[182] Historiadores reconhecem que as recorrentes dramatizações do livro contribuíram para a "sentimentalização e universalização da história de Anne", aumentando sua popularidade;[183] além disso, o livro estabeleceu-se como objeto de estudo no currículo de diversas escolas dos Estados Unidos, ajudando a preservação de sua história para uma nova geração de leitores.[184] Recepção e impactoApós sua disponibilização, o diário tem sido elogiado por profissionais e parte do público por seus méritos literários. Em uma análise sobre o estilo de escrita de Anne, o dramaturgo Meyer Levin prezou por sua capacidade de "sustentar a tensão de um romance bem construído".[185] Além disso, Levin relembrou ter se impressionado pela qualidade de suas escritas ao colaborar diretamente com Otto Frank em uma dramatização do livro pouco depois de sua primeira edição vir à público.[186] Em 2000, o poeta John Berryman descreveu o diário como "uma representação única, não apenas da adolescência, mas da conversão de uma criança para uma pessoa como aconteceu em um estilo preciso, seguro e com honestidade impressionante".[187] Na primeira edição do livro publicado nos Estados Unidos, Eleanor Roosevelt ficou responsável por desenvolver uma introdução onde descreveu seu conteúdo como "um dos comentários mais sábios e comoventes sobre a guerra e seu impacto sobre os seres humanos que [ela] já havia lido".[188] Durante um discurso em 1961, John F. Kennedy expressou que "de todas as multidões que ao longo da história falaram sobre dignidade humana em tempos de grande sofrimento e perda, nenhuma voz era mais convincente do que a de Anne Frank".[189] No mesmo ano, o escritor Ilya Ehrenburg opinou que graças ao seu relato, ela servia como "uma voz que fala por seis milhões de pessoas — a voz não de um sábio ou poeta, mas de uma garotinha comum".[190] Ao passo em que a popularidade de Anne Frank cresceu como escritora e humanista, ela tornou-se objeto de discussão especificamente como um símbolo do Holocausto e amplamente como uma representante da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.[191][192] Em 1994, durante um discurso de premiação, Hillary Clinton afirmou ter lido o diário e considerou que a jovem "nos desperta para a loucura da indiferença e o terrível tributo que ela cobra de nossos jovens", traçando um paralelo de sua história com eventos contemporâneos como a Guerra da Bósnia e a Guerra Civil da Somália e Ruanda.[193] No mesmo ano, após ser homenageado na Fundação Anne Frank, Nelson Mandela discursou para uma multidão em Joanesburgo, relembrando ter lido o livro enquanto estava na prisão, com o qual afirma ter "extraído muito incentivo". Além disso, ele comparou a luta contra o Nazismo com a travada contra o Apartheid, expressando que ambas "são crenças patentemente falsas e porque foram, e sempre serão, desafiadas por pessoas como Anne Frank, estando fadadas ao fracasso".[194] Durante o mesmo período, Václav Havel expressou que "o legado de Anne Frank continua muito vivo e pode nos atender plenamente quando [olhado] para as mudanças políticas e sociais que tem ocorrido no Bloco do Leste".[195] Em uma análise do impacto de Anne Frank, Primo Levi, químico e sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, sugeriu que ela tem sido frequentemente identificada como uma representante única dos milhões de pessoas que sofreram e morreram como ela, pois "ela nos comove mais do que as incontáveis outras que sofreram exatamente o mesmo que ela, mas cujos rostos permaneceram no anonimato".[193] Levi destacou um ponto positivo de sua representatividade, afirmando que "se [as pessoas] conseguissem captar o sofrimento de todas aquelas pessoas, seriam incapazes de viver".[193] Miep Gies expressou pensamento semelhante, embora ela tenha demonstrado uma tentativa de dissipar o que sentia ser um equívoco crescente de que "Anne simbolizada os seis milhões de judeus vítimas do Holocausto", escrevendo: "A vida e a morte de Anne foram seu próprio destino individual, um destino individual que aconteceu seis milhões de vezes [...] Anne não pode — e nem deve — representar os muitos indivíduos a quem os nazistas roubaram suas vidas, mas seu destino nos ajuda a compreender a imensa perda que o mundo sofreu por causa do Holocausto".[196] Otto Frank passou o restante de sua vida atuando como um "guardião" do legado de sua filha através de instituições como Casa de Anne Frank e Fundação Anne Frank, afirmando: "É um papel estranho. Em um relacionamento familiar normal, é o filho do pai famoso quem tem a honra e o fardo de continuar sua tarefa. No meu caso, o papel está invertido"; além disso, relembrou que o editor da primeira edição do livro creditou que seu sucesso se dava por conseguir "abranger tantas áreas da vida que cada leitor é capaz de encontrar algo que o comove pessoalmente".[197] O historiador Simon Wiesenthal expressou um sentimento semelhante quando opinou que o diário aumentou a conscientização ampla sobre o Holocausto mais do que qualquer efeito causado pelos Julgamentos de Nuremberg, afirmando: "As pessoas se identificaram com uma criança. [O livro] era a história de uma família como a minha família, como a sua família e então você pode facilmente entender isso".[196] Em junho de 1999, a revista Time elaborou uma lista especial em que nomeava as pessoas mais importantes do século XX, com Anne Frank sendo selecionada como uma das heroínas e ícones do período. Roger Rosenblatt, editor da publicação, descreveu sobre seu legado: "As paixões que o livro inflama sugerem que todos são donos de Anne Frank [...] tornando-se uma figura coletiva do mundo moderno — uma mente individual assediada pela máquina de destruição, insistindo em seu direito de viver, de questionar e do que esperar para o futuro dos seres humanos".[198] Rosenblatt observa que, embora sua coragem e pragmatismo sejam admirados, sua capacidade de se analisar e a qualidade de sua escrita são os componentes principais de seu apelo público, concluindo: "A razão de sua imoralidade era basicamente literária. Ela era uma escritora extraordinariamente boa para qualquer idade e a qualidade de seu trabalho parecia um resultado direto de uma disposição cruelmente honesta".[198] Contestações de autenticidadeNo final da década de 1950, após o livro se tornar amplamente conhecido, diversas alegações contra a sua veracidade começaram a ser disseminadas, com as primeiras críticas sendo publicadas na Suécia e na Noruega.[199] Em 1957, o autor Harald Nielsen utilizou a publicação oficial do partido neonazista Liga Nacional da Suécia, onde desenvolveu uma matéria para desacreditar que o diário havia sido escrito por Anne Frank.[200] No ano seguinte, Simon Wiesenthal foi desafiado por um grupo de protestantes que duvidavam da existência da jovem e desejavam que ele provasse o contrário encontrando o homem responsável pela prisão da família Frank. Karl Silberbauer foi encontrado em 1963 e, durante uma entrevista, admitiu seu papel na prisão do grupo e identificou Anne Frank em uma fotografia como uma das pessoas capturadas; além disso, relembrou ter esvaziado e jogado uma pasta cheia de papéis no chão.[201] Desta forma, sua declaração corroborou a versão dos eventos que haviam sido anteriormente apresentada por testemunhas como Miep Gies e Otto Frank.[202] Em 1959, Otto Frank entrou com uma ação legal na cidade de Lübeck contra Lothar Stielau, um professor e antigo membro da Juventude Hitlerista, que fez uso do jornal da escola onde lecionava para acusar o Diário de Anne Frank (1947) de ser uma fraude.[203] O processo foi estendido para incluir o jornalista Heinrich Buddegerg, responsável por publicar na cidade uma carta de apoio à Stielau.[204] No ano seguinte, a corte examinou o diário e concluiu que sua caligrafia correspondia com cartas que haviam sido anteriormente escritas por Anne Frank, declarando o livro como verdadeiro.[203] Stielau voltou atrás em suas acusações e Otto decidiu não seguir com o caso.[205] Em 1976, Heinz Roth foi processado por espalhar panfletos em Frankfurt am Main — cidade natal de Anne — denunciando que o livro era falso.[206] O juiz da corte determinou que se Roth voltasse a publicar quaisquer alegações adicionais seria multado em 500 mil marcos alemães e uma sentença de seis meses de prisão.[207] Apesar de ter recorrido à decisão do tribunal, Roth teve seu recurso rejeitado e faleceu em 1978.[207] Após a morte de Otto em 1980, o diário original, incluindo cartas e folhas soltas, foram examinadas pelo Instituto Neerlandês de Documentação de Guerra,[208] responsável por encomendar um estudo forense através do Ministério de Justiça dos Países Baixos em 1986.[126] Eles verificaram sua caligrafia contra exemplos conhecidos por serem de Anne Frank e determinaram que eles correspondiam. Além disso, determinaram que o papel, a cola e a caneta usada em sua produção já estavam disponíveis durante a Segunda Guerra Mundial,[209] o que fez o Tribunal Regional de Hamburgo confirmar sua autenticidade.[210] Por outro lado, em 1991, Robert Faurisson e Siegfried Verbeke produziram um livreto onde levantavam a hipótese de que o diário havia sido escrito por Otto Frank. Entre as supostas evidências, incluíam contradições no livro, o estilo de sua escrita e que sua caligrafia não era de um adolescente; além disso, afirmaram que seria impossível alguém se esconder no Anexo Secreto.[211] Em 1993, a Casa de Anne Frank e a Fundação Anne Frank entraram com uma ação civil para proibir a distribuição do livreto; em 1998, o Tribunal Distrital de Amsterdã decidiu a favor dos reclamantes, proibindo qualquer outra negação de autenticidade do diário e a distribuição não solicitada de publicações com essa finalidade, além de impor uma pena de 25 mil florins para cada infração.[212] Seções censuradas e controvérsiasEm 1995, foi publicado pela primeira vez uma versão integral do Diário de Anne Frank, onde veio à público seções do livro que haviam sido removidas por Otto Frank.[213] Entre as novas passagens adicionadas ao trabalho, havia Anne Frank descrevendo sobre a exploração de seus órgãos genitais, sua perplexidade em relação ao sexo e o parto, bem como suas opiniões relacionadas à menstruação.[214] Em uma nova edição da versão integral, publicada em 1998, foram incorporadas ao diário páginas anteriormente censuradas onde Frank expressava críticas a cerca do casamento de seus pais, opinando que não havia "amor entre eles", além de reafirmar o difícil relacionamento que possuía com a mãe, Edith Frank.[50] Em 2018, mais duas novas páginas foram adicionadas à uma nova remessa do livro, nas quais Anne tentava explicar à Kitty[n 6] sobre o que era educação sexual e contava diversas piadas de cunho sexual.[216] Em 2013, Gail Horalek apresentou uma queixa formal contra a versão integral do Diário de Anne Frank, que estava sendo estudado na classe de sua filha da sétima série na cidade de Northville, Michigan.[217] Horalek descreveu trechos do livro como "pornográficos" e opinou que a escola deveria ter obtido autorização prévia com os pais dos alunos para estudar a referida edição.[217] Anteriormente, em 2010, o diário foi excluído do plano de estudo de uma escola no Condado de Culpeper, Virgínia, após queixas semelhantes terem sido apresentadas por responsáveis dos alunos.[218] Escrevendo para o The Guardian, Emer O'Toole foi crítica ao observar a polêmica em torno das novas edições do diário, destacando que "nós [ainda] vivemos em uma sociedade em que as jovens são ensinadas a terem vergonha das mudanças que seus corpos sofrem na puberdade, forçando-as a serem secretas e até mesmo fingirem que [essas mudanças] não existem".[219] LegadoAo longo dos anos, Anne Frank tem sido reconhecida por historiadores e jornalistas como "um símbolo contra a intolerância"[220][221] e uma das figuras mais discutidas da história contemporânea.[186][222] Em 1999, foi eleita pela revista Time uma das 100 pessoas mais importantes do século XX,[198] enquanto a revista Ladies Home Journal a considerou uma das mulheres mais importantes do período.[223] Na consideração da Encyclopædia Britannica, Frank figura entre as mulheres pioneiras da história;[224] de maneira semelhante, em reconhecimento aos seus esforços na luta pela igualdade racial e pelo direito da independência das mulheres, a Marie Claire a listou entre as mulheres que mudaram o mundo.[225] Sua obra também foi reverenciada por seu impacto na humanidade; em 2019, a BBC destacou o Diário de Anne Frank (1947) entre os livros que mudaram o mundo, considerando-o como "um dos relatos históricos mais importantes do Holocausto",[226] além de ser apontado como um dos livros mais famosos de todos os tempos por diversas publicações.[227][228][229] Em 1957, foi estabelecida a Fundação Anne Frank com a finalidade de levantar recursos para salvar da demolição o prédio que serviu como fachada para o Anexo Secreto, a fim de torná-lo um local público;[230] em 1960, os esforços se concretizaram com a criação do museu Casa de Anne Frank.[231] Sua instalação consiste no armazém e nos escritórios da Opekta Works, bem como os cômodos ocultos que foram uma vez utilizados durante a Segunda Guerra Mundial.[232] Entre as relíquias preservadas na construção, há fotografias de estrelas de cinema coladas por Anne Frank, uma parede onde Otto Frank marcava o crescimento de suas filhas, bem como um mapa registrando o avanço das Forças Aliadas na Europa ocupada pela Alemanha Nazista.[233] No cômodo que atuava como o quarto de Peter van Pels, foi feita uma passarela para o prédio ao lado adquirido pela fundação, onde há exibições de folhas originais do diário, aspectos do Holocausto e exames contemporâneos sobre a intolerância racial em todo o mundo.[234] Reconhecido como uma das principais atrações turísticas dos Países Baixos,[235][236] estimam-se que o museu receba cerca de 1.2 milhão de visitantes por ano.[237][238] O legado e o impacto de Anne Frank na história também ajudaram com que fossem estabelecidas outras instituições sob o seu nome; em 1963, Otto levantou a Fundos Anne Frank, uma entidade filantrópica que detém os direitos autorais do diário, de suas respectivas edições e compilações, bem como representa formalmente a família em processos judiciais.[239][240] Em suas atuações para a comunidade, visa educar jovens contra o racismo e colabora frequentemente com o Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos (USHMM) para exposições ao longo dos anos.[241][242] Em 1997, foi inaugurado o Centro Educacional Anne Frank, cuja finalidade é servir como "um lugar onde jovens e adultos podem aprender sobre a história do Nacional-Socialismo" e discutir sobre sua relevância para os dias atuais.[243] No início da década de 2000, após ter sido incluído em um documentário na televisão neerlandesa sobre seu estado de degradação, o prédio onde os Frank viveram entre 1933 e 1942 foi adquirido e posteriormente restaurado baseando-se em relatos de antigos moradores, em fotografias do arquivo pessoal da família e com o auxílio de um primo de Anne, Buddy Elias.[244] Reaberto em 2005, o edifício tem sido alugado por tempos determinados por autores que são oprimidos por escreverem livremente em seus países de origem.[245][244] Em novembro de 2007, um castanheiro-da-índia localizado atrás de prédios próximos da Casa de Anne Frank e frequentemente mencionado no diário foi programado para ser derrubado por conta de seu tronco afetado por fungos.[246] Conhecida como a "árvore de Anne Frank", o caso se tornou amplamente discutido por veículos da mídia neerlandesa;[247] o economista Arnold Heertje se opôs ao corte da árvore, comentando que "não se tratava de uma árvore qualquer [...] era a árvore de Anne Frank, ligada à perseguição aos judeus".[248] Um grupo de conservacionistas iniciou um processo civil para impedir o seu corte e autoridades municipais entraram em um acordo posicionando uma estrutura de aço que prolongaria sua existência.[249][250] No entanto, em 2010, ventos fortes a derrubaram.[251] Com a intenção de ampliar seu impacto histórico, foram distribuídas mudas da mesma árvore para uma série de parques ao redor do mundo,[252][253] incluindo o Liberty Park, que homenageia vítimas do ataques de 11 de setembro de 2001.[254] Anne Frank também foi retratada diversas vezes na cultura popular; no cinema, foi interpretada por Millie Perkins (1959) e Hannah Taylor-Gordon (2001),[255][256] além de ter sua história reproduzida em Anne no Nikki (1995), um filme de animação japonês.[257] Além disso, foi tema de diversos livros que imaginavam como seria sua vida se tivesse sobrevivido à guerra, publicados por autores como Philip Roth e Geoff Ryman.[258][259] Em 1998, a banda Neutral Milk Hotel divulgou seu segundo projeto em estúdio, In the Aeroplane Over the Sea, cujo conteúdo é composto por diversas canções inspiradas pela história da jovem.[260] Em 2012, na segunda temporada da série de televisão American Horror Story, Franka Potente interpreta uma versão adulta de Anne Frank sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz.[261] Entre outras de suas homenagens à nível cultural, incluem uma estátua de cera no Museu Madame Tussauds, localizado em Berlim, bem como um asteroide nomeado como 5535 Annefrank pelo Minor Planet Center em 1995.[262][263] Ver tambémNotas
Referências
Bibliografia
Ligações externas
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