A organização nacional dos movimentos de mulheres indígenas está inserida em um contexto mais amplo de mobilização das populações originárias do Brasil em luta por seus direitos.[2] Estes povos mobilizaram-se em defesa de suas culturas desde o início da colonização do Brasil.[8]
Desde a década de 1970, os movimentos indígenas organizam sua atuação política formalmente por meio de assembleias e articulações regionais, tanto em termos gerais (enquanto povos indígenas), quanto em espaços exclusivos de mulheres.[9]
A organização nacional dos povos indígenas existe, pelo menos, desde a década de 1980;[9] a articulação nacional específica das mulheres indígenas é mais recente, cujo amplo engajamento e relativa repercussão midiática são fenômenos característico da década de 2010.[1]
Ainda na década de 1980, dois grupos importantes despontaram: a Rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, fundada por Eliane Potiguara;[13] e o Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (CONAMI), criado no ano de 1985.[2][14]
Século XXI
Nas primeiras duas décadas do terceiro milênio, os movimentos de mulheres indígenas no Brasil atingiram alguns marcos importantes:
2005 - Fundação da Articulação de Povos Indígenas do Brasil durante o Acampamento Terra Livre daquele ano com o objetivo de fortalecer a união dos povos indígenas das diferentes regiões e organizações do país, bem como, mobilizar estes grupos e sujeitos contra as ameaças de violências e em prol de seus direitos.[15]
2017 - Expressiva participação feminina no Acampamento Terra Livre. Cerca de mil mulheres indígenas se reuniram em uma grande plenária para discutir a saúde da mulher indígena e a articulação nacional da luta das mulheres indígenas.[3][16]
2019 - Mais de 3 mil mulheres indígenas estiveram presentes na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas no dia 13 de agosto de 2019.[17] Com o tema "Território: nosso corpo, nosso espírito" o evento foi um dia histórico para a luta das mulheres indígenas.[18] No dia seguinte a esta marcha, elas se somaram à tradicional Marcha das Margaridas.[19][20]
2020 - Por conta da pandemia de COVID-19, as mulheres indígenas organizaram-se em uma assembleia virtual nos dias 8 e 9 de agosto de 2020. Sob o tema “O sagrado da existência e a cura da terra”,[21] deram continuidade à afirmação da relação íntima entre "corpo-território"[22] lançando pela primeira vez a ideia de "Cura da Terra" que posteriormente foi adotada com tema central do 1º Encontro Global das Mulheres Indígenas, ocorrido no dia 5 de setembro do mesmo ano.[23]
2021 - A 2ª Marcha das Mulheres Indígenas ocorreu no dia 10 de setembro de 2021, sob o tema " na ocasião da votação do Marco Temporal.[24][25][26]
Em fevereiro de 2020, o Instituto Socioambiental mapeou 92 organizações de mulheres indígenas, presentes em 21 estados do Brasil. Tais organizações articulam-se nos âmbitos nacional, regional e local. A maioria destas são das regiões Norte e Centro-Oeste do país, sendo Amazonas, Mato Grosso, Pará e Mato Grosso do Sul os estados com um maior número de organizações.[1] Dentre elas:
Nacional
ANMIGA - Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade.
Conselho de Mulheres Indígenas Potiguara da Paraíba.
Atuação política e cultural
Autorrepresentação digital
"Mas a gente vê até hoje que as mulheres indígenas continuam invisibilizadas. Quando olhamos os números, da parte acadêmica e científica, as mulheres indígenas não aparecem. Nós estamos onde, em que porcentagem? Não ter referência da palavra indígena faz diferença, tem que ter. Se não tiver a menção à palavra [das] mulheres indígenas, nós não somos convidadas"
Os atos políticos e documentos históricos dos movimentos de mulheres indígenas sofrem uma invisibilização dupla: midiática e acadêmica.[31] A escassa representatividade das mulheres indígenas nessas instâncias reverbera em outros âmbitos de transmissão de informação.[32] Essa escassez é criticada pelas próprias mulheres indígenas, que se movimentam para mudar esta realidade.[29]
Uma característica dos movimentos de mulheres indígenas do tempo presente é a capacidade de autorrepresentação;[4] isto é, em termos tanto de uma representatividade política ou ações autônomas, quanto de produção de conhecimento e cobertura dos eventos e fatos sobre si mesmas, principalmente por meio da internet e de mídias independentes.[13]
As mulheres indígenas têm rompido com os discursos que foram historicamente conferidos sobre elas nos livros e nas mídias tradicionais. Incentivadas pelo modus operandi da web 2.0, elas têm se autorrepresentado por meios digitais.[4][13][32]
Conceitos político-teóricos
A cura da Terra
Ocorrido em 5 de setembro de 2020 (Dia Internacional das Mulheres Indígenas e Dia Internacional da Amazônia), o 1º Encontro Global de Mulheres Indígenas teve como tema "A cura da Terra". Tal conceito foi fundamentado por um manifesto político, lançando na ocasião. Nele, afirmou-se o papel central das mulheres indígenas na construção de um futuro melhor, não apenas para suas comunidades étnicas, mas para toda a humanidade. Provenientes de várias etnias, destacaram sua diversidade e unificaram-se em seu protagonismo histórico, como agentes da cura das enfermidades da Terra.[4][33]
"A Mãe Terra está doente, nossos povos também. Estes são tempos de pandemia e emergência climática, ecocídio e genocídio. Hoje vivemos as consequências de um modelo econômico, social e espiritual que infectou nossos territórios e corpos. Um vírus que coloca o dinheiro acima da vida."
Dentro deste pensamento, a cura deve ser entendida como um processo não apenas sobre os corpos humanos, mas também dos territórios nativos.[22] Para tanto, conclamaram a união das populações não-indígenas e indígenas por acreditarem que o futuro do planeta e da humanidade seja um bem coletivo, independentemente de recorte de gênero ou etnia.[23]
O Encontro Global de Mulheres Indígenas
Mulheres líderes indígenas de 116 etnias e 37 países diferentes reuniram em um círculo de conversas, via internet, que buscou refletir sobre temas como a emergência climática, o ecocídio e o genocídio de povos nativos ao redor do mundo. Além disso, objetivou inserir as vozes das mulheres indígenas nos debates sobre os desafios da pandemia de COVID-19 e da crise climática mundial.[4] Contou com a participação de diversas lideranças, entre elas:
O evento foi promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e pela Red Latinoamericana de Feminismos (ELLA), uma articulação transnacional de mulheres latino-americanas. Contou com a cobertura da Mídia Índia.[34]
↑ abcMatos, Maria Helena Ortolan. (2012) "Mulheres no movimento indígena: do espaço de complementariedade ao lugar da especificidade." In: Ângela Sacchi & Márcia Maria Gramkow (Orgs.). Gênero e povos indígenas. Coletânea de textos produzidos para o "Fazendo Gênero 9" e para a "27a Reunião Brasileira de Antropologia". - Rio de Janeiro, Brasília: Museu do Índio/ GIZ / FUNAI, pp. 140-169.
↑ abcdefInácio de Oliveira, A. (2021). "As representações do protagonismo indígena feminino na longa duração: das crônicas quinhentistas aos manifestos de cura da Terra". Anais do 31º Simpósio Nacional de História: História, verdade e tecnologia (Simpósio temático Povos Indígenas, Gênero e Violências: histórias marginais).
↑ abSampaio, Paula Faustino. 2020. "Por uma história decolonial das mulheres indígenas". In: Natividad Gutiérrez & Losandro Antonio Tedeschi (Org.). Fronteras de género, subjetividades e interculturalidad. Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Sociales; [Brasil] : Universidade Federal Da Grande Dourados. ISBN 9786599049705
↑Martinho, Cássio (1 de Janeiro de 2019). «Tuíra, a imagem». Revista Tuíra. Consultado em 2 de abril de 2021
↑ abcFerreira, Gláucia Cristina (2015). Mulheres indígenas nos blogs: discursos e identidades. Dissertação de Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), p. 65. Consultado em 05 de abril de 2021.