Hupdá (Hupd'äh), também conhecida por nomes como Hupdë, Jupdá Macú, Ubdé, entre outros, é uma das quatro línguas pertencentes ao tronco Nadahup (ou maku oriental) das línguas macus. É falada por cerca de 1500 falantes nativos[3] entre os rios Tiquié, Uaupés e Papuri, nas regiões noroeste do estado brasileiro do Amazonas e no distrito colombiano do Vaupés.
Embora o número de falantes de Hupdá não seja muito grande, a língua não é considerada seriamente ameaçada, uma vez que é aprendida como primeira língua pelas crianças da comunidade.[4] No entanto, a pressão de outras línguas, bem como a influência da cultura Tucano dominante na região, pode representar desafios para a sua preservação no longo prazo.[4]
Classificação
A família linguística a que hupdá pertence é a família maku, também conhecida como Vaupés-Japurá. Localizada no noroeste da Amazônia, a família macu pode ser dividida em dois grupos[5]: línguas Naduhup (ao qual o hupdá pertence) e línguas macu do norte.[5]
História
Apesar das dificuldades impostas pela pobreza da região de campinarana e pela presença de muitas cachoeiras, que representaram obstáculos à expansão das frentes pioneiras portuguesas e espanholas disputando a área desde o século XVII, os Maku foram alvos de apresamento e escravidão. No entanto, a análise de documentos da época indica que eles foram menos afetados pelos "descimentos" ou outras formas de violência durante o ciclo da borracha, no final do século XIX.[6]
Durante esse período, os Maku se refugiaram nos territórios entre os rios Japurá, Tiquié e Papuri e aprenderam agricultura da mandioca e outras práticas culturais dos Tukano, com quem conviveram mais intensamente. Em 1914, os missionários salesianos chegaram à região, mas encontraram resistência dos Maku, que não queriam enviar suas crianças para internatos nos centros missionários. Nos anos 1970, os salesianos tentaram, sem sucesso, criar povoados-missão exclusivamente para os Maku.[6]
Durante o período do garimpo do ouro da década de 1980 e início dos anos 1990, os Maku foram pouco afetados, pois este era praticado principalmente em áreas ribeirinhas. O único garimpo de terra firme, no extremo sul da Terra Indígena Alto Rio Negro, foi abandonado em 1986 devido à baixa produtividade. Com a popularização do movimento indígena no início dos anos 1990, a extração de ouro passou a ser realizada exclusivamente pelos povos da região.[6]
Etimologia
O nome da língua Hupdá é derivado do etnônimo dos falantes: hup é o termo utilizado para designar um ser humano (ou mais especificamente um ser humano da etnia Hupdá), já d'äh é o marcador do plural, logo, hupd'äh significaria apenas pessoas ou pessoas Hup. Os próprios Hupdá preferem chamar a sua própria língua por hup'ɨd, traduzido literalmente como língua dos Hup. [7]
Já o nome da família linguística tem sido assunto de muita discussão. Apesar do nome Macu ser o mais utilizado para se referir à família, o termo tem conotação pejorativa por significar "sem linguagem" nas línguas tukanas e "selvagem" ou "servo" nas línguas aruaques. Esta denominação apenas é utilizada por falta de opção melhor e por consenso etnográfico.[4][8]
Distribuição Geográfica
Os 1500 falantes de Hupdá moram espalhados na região de floresta densa na fronteira do Brasil com a Colômbia. No lado brasileiro, a região é conhecida como Cabeça do Cachorro (devido ao seu formato no mapa), e é parte do estado do Amazonas. Dentro desta região, os Hup moram em uma área de aproximadamente 5400 quilômetros quadrados, definida pelo rio Tiquié ao sul, o rio Uaupés ao leste e o rio Papuri ao norte. [2]
Dialetos
A lingua Hupdá é subdividida em três áreas dialetais principais. Estas são o dialeto ocidental, falado entre o alto Tiquié e Papuri, o dialeto central, falado entre o médio Tiquié e Papuri, e o dialeto oriental, falado entre o sul do Papuri e imediatamente a oeste do Uaupés. [9]
Falantes das variedades centrais e orientais entendem-se sem maiores problemas. Entretanto, ambos relatam dificuldades na comunicação com falantes da variedade ocidental. Isto decorre muito provavelmente da falta de contato dos falantes orientais e centrais com os falantes ocidentais, já que os falantes ocidentais habitam na Colômbia. [9]
Apesar de todas a variedades serem mutualmente inteligíveis, há um fenômeno na região em que os falantes só se declaram saber uma língua se possuírem um nível similar ao de um falante nativo. Na grande maioria dos casos, quando há alguma dificuldade na comunicação entre as vilas, recorre-se ao Tukano, a língua franca da região. [10]
Fonologia
A fonologia da língua Hupdá é similar à de outras línguas macus, mas apresenta alguns fatores que a distinguem. A língua Hupdá conta com alguns fenômenos fonológicos exclusivos tanto no nível das consoantes quanto no nível vocálico. [11]
Vogais
Hupdá, diferentemente da grande parte das outras línguas amazônicas, possui um sistema básico de 9 vogais contrastantes. Entretanto, o sistema de 9 vogais apenas se aplica no contexto oral (não nasalizado). Em ambientes nasais, o inventário vocálico é reduzido para 6 vogais contrastantes. Segue abaixo tabelas que demonstram suas características. [12]
Também contrastando com a maioria das outras línguas da região amazônica, Hupdá conta com um sistema de consoantes extenso, com 19 consoantes contrastantes (20 consoantes em certos dialetos). [14]
Em Hupdá, somente três consoantes podem ser encontradas na posição final de morfemas: /j/, /g/ e /ç/. É importante destacar que /p'/ só é encontrado na posição inicial de morfemas em uma única palavra e em alguns dialetos de Hupdá ele não existe. Já todas as outras consoantes podem ser encontradas em qualquer posição de morfemas (inicial, medial e final), com exceção das restrições que se aplicam à posição inicial e medial. [15]
Fenômenos consonantais
As oclusivasdesvozeadas /b/ e /d/ se pré-nasalizam no início do morfema (mb, nd) e, quando aparecem no final, se pós-nasalizam como bm, dn, gŋ e y ao lado de uma vogal nasal, realizando-se como as nasais m, n, ŋ. A consoante /g/ somente ocorre no final do morfema. Se uma raiz ou sílaba terminada em /d/ é seguida por outra que começa com a mesma consonante, elas se unem para se realizarem como a vibrante /ɾ/. [16]
As consoantes glotalizadasfaringealizam a vogal seguinte (CʼVʕ). As oclusivas glotalizadas /jʼ/ e /gʼ/ tornam-se desvozeadas glotalizadas /cʼ/ e /kʼ/ no início e no final do morfema. Enquanto as consoantes /bʼ/ e /dʼ/ se realizam como desvozeadas /pʼ/ e /tʼ/ no final do morfema e pré-nasalizadas /mbʼ/ e /mdʼ/ no início. [16]
A oclusiva palatal desvozeada /c/ no início da palavra varia livremente com a fricativa palatal /ʃ/ e, às vezes, com a africada /ts/ ou a palatal /ty/. Entre vogais, a sequência /č/ pode ser realizada como /yty/. No final da palavra, a consoante /c/ é realizada como a palatal alveolar /ty/. [16]
Na língua Hupdá existem dois tons: ascendente, e alto com um alofone descendente, que só aparecem em substantivos e adjetivos. Os morfemas átonos tem um tom baixo por padrão. [17]
Sílabas
As sílabas de Hupdá possuem somente 3 formas diferentes nativas da língua, ordenadas da mais frequente para a menos frequente: [11]
Composição
CVC
CV
VC
É comum em Hupdá uma forte correspondência entre sílaba e morfema, mas a língua também permite palavras com mais de uma sílaba. No entanto, quase todas essas palavras são limitadas a duas sílabas. Com exceção dos ideófonos, apenas algumas palavras têm três ou mais sílabas. A maioria dessas palavras são nomes de pássaros ou criaturas voadoras, e provavelmente têm uma origem onomatopeica ou ideofônica (algumas podem ser emprestadas). [18]
Características prosódicas
O Hupdá tem como principais características prosódicas a nasalização e a tonicidade da palavra, que combina tom contrastivo e estresse lexical. Ambos são fonêmicos e têm a sílaba (e, em geral, o morfema) como seu principal domínio.[19]
Nasalização
Em Hupdá, a nasalização é uma característica que se aplica ao nível de morfema ou, no mínimo, ao nível de sílaba. Isso significa que cada sílaba e praticamente todo morfema são descritos como completamente nasalizados ou completamente orais. Assim, a nasalidade afeta todos os segmentos dentro desse domínio de maneira igual, e não pode ser considerada uma propriedade de cada segmento individualmente. [19]
Todos os fonemas segmentais - com exceção dos obstruentes sem voz, que não são afetados pela nasalização - possuem variantes nasalizadas e orais, dependendo do valor nasal ou oral do morfema/sílaba em que ocorrem. Os alofones incluem [m], [n], [ñ] e [ŋ] da série de oclusivas sonoras /b/, /d/, /j/, /g/, e [m'], [n'], [ñ'] e [ŋ'] glotalizadas das oclusivas glotalizadas. Além disso, as semivogais /w/ e /y/ e as fricativas /h/ e /ç/ também são nasalizadas em contextos nasais. O mesmo acontece com as vogais, embora o sistema de nove vogais seja reduzido a seis em ambientes nasais. [19]
Vale ressaltar que apesar de quase todos os morfemas do Hupdá serem totalmente nasais ou orais, existem alguns exemplos de palavras que são (pelo menos sincronicamente) monomorfêmicas, mas combinam uma sílaba nasal com uma sílaba oral. A maioria ou todas provavelmente são derivadas historicamente de dois morfemas, embora sincronicamente sejam lexicalizadas como um único morfema unitário. [19]
Propagação de nasalização
A propagação nasal é extremamente limitada em Hupdá. Em geral, a propagação nasal não ocorre entre os limites dos morfemas. As únicas exceções envolvem os sufixos de cópia de vogal, nos quais a vogal copiada assume a qualidade nasal ou oral da vogal da raiz juntamente com suas outras características, e casos nos quais uma forma historicamente bimorfêmica é lexicalizada novamente para formar uma forma sincronicamente monomorfêmica. Caso contrário, a propagação nasal não ocorre, mesmo entre uma raiz e um sufixo de vogal inicial não copiador. [19]
Quando a propagação nasal ocorre como parte do processo de lexicalização - no qual ao longo do tempo uma forma bimorfêmica (geralmente um composto de substantivo ou verbo) desenvolve uma identidade como um item lexical unitário ou até monomorfêmico - ela geralmente ocorre da direita para a esquerda. Essa direcionalidade provavelmente tem a ver com o fato de que o elemento final da frase é normalmente a cabeça sintática (e semântica) do composto, e/ou com a tendência da última sílaba da palavra de carregar o acento lexical primário. Na maioria dos casos, a propagação nasal simplesmente acompanha a harmonização vocálica (que também ocorre da direita para a esquerda). Em alguns casos, no entanto, ela se aplica mesmo na ausência de qualquer processo de harmonização. [19]
Tonicidade
Hupdá tem um sistema restrito de contraste lexical de tom. Em Hupdá, tom e estresse lexical trabalham juntos. Os contrastes tonais são restritos a sílabas com estresse primário (e, nesses casos, o contraste tonal, que depende do contorno, é claramente audível apenas nas sílabas acentuadas que estão no final da palavra). Um sistema de "acento de palavra" (também chamado de "politonicidade" e "acento de tom") compartilha características com sistemas de acento de altura, tom e estresse, mas é distinto de todos eles. Como em uma língua tonal, o sistema de acento de palavra de Hupdá exibe um paradigma de contrastes tonais ao nível da palavra; como em uma língua de acento de altura, o contraste tonal é restrito a uma sílaba por palavra; e finalmente, como em muitos sistemas de estresse, a sílaba acentuada na palavra geralmente é previsível e é "separada" pelas mesmas características fonéticas que normalmente distinguem o estresse lexical em outras línguas - maior intensidade, duração mais longa e tom mais alto. [19]
Na língua, há dois tons fonêmicos, realizados como tom ascendente e alto, que ocorrem exclusivamente em sílabas acentuadas; o sistema Hupdá é, portanto, definido como um sistema de acento de palavra. Foneticamente, Hupdá também possui um tom de contorno decrescente, que é um alofone do tom alto (observe, no entanto, que não está completamente claro qual deve ser considerado subjacente). Sílabas átonas recebem um tom baixo fonético padrão. O valor tonal e/ou sua realização alofônica são parcialmente previsíveis a partir do modelo de sílaba (CVCvozeado, CVCdesvozeado ou CV). Sílabas acentuadas em que a consoante final é vozeada (CVCvozeado) recebem um tom de contorno ascendente ou decrescente. A consoante final vozeada - como um obstruente pós-nasalizado - normalmente acomoda parte do contorno. Sílabas com uma consoante de coda desvozeada (CVCdesvozeado) podem receber o tom alto ou ascendente. As sílabas com um modelo subjacente CV, realizadas como [CV:] quando ocorrem no final da palavra, quase sempre apresentam tom decrescente. As exceções a essa regra parecem ser empréstimos do Tukano ou do português.[19]
Ortografia
A ortografia prática do Hupdá está sendo desenvolvida com o objetivo principal de ser uma ferramenta para os próprios falantes de Hupdá no desenvolvimento de um programa de alfabetização em língua nativa. Henri Ramirez propôs essa ortografia com algumas contribuições de Epps. Ainda há muitos problemas a serem resolvidos e decisões a serem tomadas para que a ortografia prática funcione de maneira eficaz. Espera-se que, à medida que mais falantes de Hupdá se familiarizem com o sistema de escrita, algumas dessas questões sejam resolvidas por meio de discussões na comunidade. [20]
Segue a ortografia sugerida por Ramirez & Epps: [20]
Hupdá é uma altamente aglutinativa e concatenativa (as palavras são formadas pela junção de morfemas) com alta taxa de síntese e baixa taxa de junção fonológica de morfemas e possui sintaxe nominativa-acusativa (os sujeitos dos verbos transitivos e intransitivos têm a mesma forma). Além disso, faz parte do pequeno grupo de línguas do mundo que tem OSV (Objeto - Sujeito - Verbo) como ordem básica das sentenças, apesar desta ser bastante flexível na grande parte dos casos. [21]
Pronomes
O discurso de Hupdá depende fortemente dos pronomes. Qualquer constituente pode ser referido anaforicamente por um pronome se puder ser recuperado através do contexto. O principal protagonista de uma narrativa é frequentemente referido através do pronome pessoal da terceira pessoa do singular durante toda a história. Mesmo dentro de uma mesma sentença, é comum referir-se a mais de um personagem usando o mesmo pronome de terceira pessoa. Em Hupdá, o contexto e marcação de casos gramaticais são suficientes para diferenciar os referentes. [21]
Como em muitas línguas, os pronomes de Hupdá (incluindo suas variantes) são formas deíticas que podem ocorrer como argumentos dos predicados, no lugar de uma frase nominal. Por isso, referem-se anaforicamente a uma entidade que seria indicada, em outra ocasião, por uma frase nominal completa, ou ainda, referem-se deíticamente ao contexto físico. [21]
De forma suficientemente rígida, a posição dos constituentes da sentença segue o seguinte padrão: [21]
Segue abaixo a tabela dos pronomes da língua Hupdá: [22][21]
Sujeito
Objeto
Oblíquo
Possessivo
1sg
ʔɑ̃h́
ʔɑ́n
ʔɑ̃h́-ɑ̃t́
nɨ̌
2sg
ʔɑ́m
ʔɑ́m-ɑ́n
ʔɑ́m-ɑ́t
ʔɑ́mɨ̌h
3sg
tɨ́h
tɨ́h-ɑ́n
tɨ́h-ɨ́t
tɨnɨ̌h
1pl
ʔɨ́n
ʔɨ́n-ɑ́n
ʔɨ́n-ɨ́t
ʔɨnɨ̌h
2pl
nɨ́ŋ
nɨ́ŋ-ɑ́n
nɨ́ŋ-ɨ́t
nɨŋɨ̌h
3pl
hɨ́d
hɨ́d-ɑ́n
hɨ́d-ɨ́t
hɨdnɨ̌h
Apesar do gênero não estar incluso no sentido dos pronomes, ele pode ser especificado, caso necessário. Nestes casos, o pronome tem uma função similar a um determinador, como em: hɨ̂d ʔã́ d'əh = aquelas mulheres. [23][21]
Substantivos
Em Hupdá, os substantivos são classificados em um de dois grupos através um sistema baseado no vínculo que possuem, sendo chamados de substantivos vinculados ou livres. Substantivos vinculados são aqueles que estão necessariamente ligados a uma outra forma nominal. Substantivos vinculados em Hupdá geralmente incluem quase todos os substantivos humanos genéricos, termos de parentesco, partes do corpo de animais e alguns outros. Os substantivos livres são aqueles que não necessitam necessariamente estarem associados com uma outra forma nominal ou com um possuidor, como frutas, objetos em geral e elementos da natureza. [21]
Plural
O marcador de plural para substantivos é =d'əh e segue uma hierarquia de animacidade: humanos, animais e inanimados. Para humanos, a marcação de plural é obrigatória, salvo quando o referente não é especificado. [24]
Hoje em dia, nós usamos e dependemos das redes dos não-índios.
Animais geralmente também são marcados para pluralidade, mas diferem no sentido de que o marcador não é obrigatório para um grupo de animais. Assim como os humanos, referentes não especificados também não são marcados:[24]
Objetos inanimados não são marcados para pluralidade e dependem de numerais para esta indicação. Entidades inanimadas plurais são tratadas como se tivessem baixa importância, devido ao fato de geralmente terem saliência conceitual baixa e, portanto, estarem quase sempre sem marcação de número no discurso também.[24]
dadɑ́nya tɨ́h-ɑ̌n ʔɑ̃h nɔ́ʔ-b'ɑy-ɑ́h
laranja 3sg-OBJETO dar-REPETITIVO-DECLARATIVO
Eu darei à ela as laranjas (que eu trouxe)
Caso gramatical e concordância
Hupdá é uma língua nominativa-acusativa. Todos os sujeitos são não-marcados, enquanto que o objeto e outros casos gramaticais possuem um sufixo. O sufixo a ser utilizado depende do número, animacidade, tipo de substantivo e função gramatical. A marcação de casos também se extende para a frase nominal e oração subordinada, onde os sufixos são adicionados ao constituente final da frase. [25]
Apesar dos marcadores de caso objetivo e oblíquos direcionais serem quase idênticos foneticamente, a única diferença sendo o estresse, o caso oblíquo direcional é utilizado principalmente para indicar direção, e, às vezes, localização (quando coincide com o caso oblíquo).[25]
Substantivos semi-verbais
Alguns substantivos de Hupdá são semi-verbais, a saber aqueles que tratam sobre a passagem do tempo, assim como períodos de tempo que são "inerentemente progressivos e impermanentes". [26]
Mesmo que essas palavras pertençam à classe dos substantivos (aparecem tipicamente como argumentos de uma sentença e flexão aspectual não é necessária), possuem qualidades similares à de um verbo, como o aparecimento em composições verbais. Por exemplo:[26]
O enclítico =wəd, derivado da palavra para "homem velho" wəhə́d, pode ser inserida como um marcador de respeito quando há referência a um ser espiritual ou outros humanos. A forma feminina do marcados é =wa. [25]
Junilson=MARCADOR DE RESPEITO-obj 1sg falar-MODO DECLARATIVO
Eu falei com o respeitável Junilson.
Esse marcados é usualmente utilizado para referir-se a alguém mais velho ou de status social mais elevado, apesar de também poder ser usado para indicar alguém que deve ser temido, especialmente quando refere-se a espíritos perigosos.[25]
aquele.INTANGÍVEL cobra=MARCADOR DE RESPEITO MARCADOR POSSESSIVO filha-MODO DECLARATIVO
Foi a filha da velha/respeitada Cobra
O uso de =wəd não é necessariamente respeitoso. O enclítico também pode ser afixado a nome de crianças como um sinal de afeto.[25]
Verbos
Em contraste com os substantivos em Hupdá, que é morfologicamente relativamente isolado, o verbo é morfologicamente complexo. A palavra do verbo é tipicamente composta por formas aglutinadas em camadas, incluindo raízes (das quais várias podem ser unidas para formar um composto) e formativos ligados (afixos, clíticos e partículas). Embora quase todos esses formativos verbais sigam o radical - como é a regra geral na morfologia Hupdá - existe um pequeno conjunto de formativos verbais que precedem o radical; todos eles relacionados ao ajuste da valência. Os verbos Hupdá não se flexionam em número ou gênero (embora estes possam ser marcados em construções verbais nominalizadas). Geralmente também não há marcação de pessoa no verbo. Os radicais dos verbos em Hup são regulares, com praticamente nenhuma forma supletiva ou outras irregularidades. [27]
Os verbos em Hup não podem ser utilizados sem a presença de afixos em predicados de frases, exceto em casos específicos, como no modo apreensivo, no modo imperativo e em algumas frases subordinadas. Esses afixos podem ser compostos por um conjunto de elementos, como prefixos, sufixos interiores, sufixos de limite e até mesmo partículas. Todos esses formativos são considerados partes importantes da palavra verbal, ainda que as partículas sejam relativamente livres foneticamente. [27]
O modelo verbal básico na língua Hup é composto por um radical, que pode ser formado por uma sequência de radicais compostos, e uma série de afixos, que podem incluir proclíticos, prefixos, sufixos interiores, sufixos de limite, enclíticos e partículas. Segue um modelo verbal básico, note que as estruturas obrigatórias estão em negrito: [27]
A partir da junção dos morfemas, os aspectos verbais e outras informações semânticas são atribuídas aos verbos.Segue também a lista em ordem relativa dos morfemas nos verbos de Hupdá: [27]
Intensificadores e classificadores -Vcáp, Vtiʔ, -Vyá, -Vhə́ʔ, Vʔĩh, Vyɨ̂k
Incoativo -ay
Evidencial inferido -ni-
Enchimento -Vw-
Vale ressaltar que a raiz pode incluir várias raízes componentes internas.
Vocabulário
Seguem alguns exemplos de vocabulário de cunho geral em Hupdá:
A história do espírito da moita do abacaxi
A seguir está uma história tradicional Hupdá chamada "A história do espírito da moita do abacaxi", contada pelo indígena Hupdá Elias Andrade Pires à linguista Patience Epps, na vila de Barreira Alta em janeiro de 2002. [28]
nome dado a várias espécies de jararacas silvestres de tamanho médio a grande (cobras da família dos crotalídeos, Bothrops spp.)
b’ä̀w
escorrega-macaco (certa árvore da caatinga, madeira excelente para fazer estacas, planta leguminosa da família das cesalpinoídeas, Peltogyne paniculata; o nome tukano é páá-kãro)
certo tipo de jibóia que vive na roça e pode ser encontrada até nas casas (cobra da família dos boídeos, Constrictor constrictor); é de tamanho menor que m’eh-pö̀g
bö̀
tico-tico (certo tipo de pássaro da família dos fringilídeos, Ammodramus sp.)
(empréstimo do tukano?)
bób
matá-matá (nome dado a várias espécies de árvores sem frutos comestíveis da família das lecitidáceas, Eschweilera sp.)
certo tipo de cuiú-cuiú ou reco-reco pequeno que tem uma fileira de placas imbricadas ao longo da linha lateral (peixe teleósteo siluriforme da família dos doradídeos, Anduzedoras sp.)
dö̀g
iwa-pixuna (nome dado a várias variedades de árvores cujas frutas pretas são comestíveis, família das burceráceas, Protium sp.)
bodó, cascudo (nome dado a várias espécies de peixes teleósteos siluriformes da família dos loricarídeos; têm o corpo revestido de placas ósseas e a cabeça grande)
hàt
jacaré (nome genérico dado aos répteis crocodilianos)
háw
certo tipo de curuá conhecido como palha branca (palmeira da família das arecáceas, Attalea sp.)
carajuru (planta cujas folhas produzem uma tinta vermelha para untar o rosto quando misturadas com urucu; é também usado pelo xamã; família das bignoniáceas, Arrabidaea chica)
mehèn
jupará (certo tipo de mamífero da família dos procionídeos, Potos flavus)
taxi (nome dado a várias espécies de árvores leguminosas cesalpinioídeas, provavelmente do gênero Tachigali sp.); formiga-taxi (nome dado a certos tipos de formigas agressivas que vivem em simbiose com este vegetal, gêneros Pseudomyrmex e Azteca)
mòh
nome dado a certas espécies de inambus de tamanho grande ou médio (família dos tinamídeos)
corruíra-de-casa (pássaro de cor parda, de bico comprido, de pescoço e ventre esbranquiçados, que costuma fazer o seu ninho em cima dos telhados, família dos trogloditídeos, Troglodytes aedon)
macucu (árvore grande que serve para fazer tábuas, leguminosa da família das papilionoídeas, Aldina heterophylla)
nàm
curare (certo tipo de cipó cuja casca fornece um veneno forte para caçar ou guerrear, adicionando-se outras plantas, família das loganiáceas, Strychnos sp.)
certo tipo de morcego de orelhas grandes, com um ferro de lança no focinho, que vive em colônia no buraco de cupinzeiro nas árvores (família dos filostomídeos, Tonatia brasiliensis)
cunuri (certa fruta cujas amêndoas são comestíveis uma vez tirado o veneno com cocção e imersão na água, família das euforbiáceas, Cunuria spruceana); nome feminino de benzimento
pëhë́
curuá (palmeira usada para cobrir casas e fazer tampas de camotim, Attalea sp.)
(empréstimo do tukano)
pèj
umari (árvore cuja fruta é comestível, família das icacináceas, Poraqueiba sp.)
pej-d’áp-tɨ́t
cipó-d'água (nome dado a várias espécies de cipós da família das diliniáceas, Doliocarpus sp., dos quais se obtém uma água fresca quando cortados em pedaços)
pèj-hõp
certo tipo de aracu pequeno esbranquiçado (peixe teleósteo caraciforme da família dos anostomídeos)
peixe-agulha (peixe teleósteo beloniforme da família dos belonídeos; dizem que as pupunheiras não mais dão frutos quando estes são apanhados por alguém)
abiurana-braba (nome dado a várias espécies de frutas comestíveis produzidas por árvores grandes da terra firme, família das sapotáceas, Pouteria hispida)
nome dado a várias aves da família dos dendrocolaptídeos (Dendrocincla spp.) e dos formicarídeos que seguem as formigas-de-correição para comer os insetos espantados por elas
cardamoma-do-Brasil (nome dado a várias espécies de zingiberáceas, Renealmia sp.; uma espécie cresce na terra firme, e outra, em capoeira; o rizoma serve contra a gripe)
siripipìh
certo tipo de andorinha ribeirinha (família dos hirundinídeos, Atticora sp.)
certo tipo de castanha silvestre comestível cujas amêndoas são comestíveis e cujo pixide serve de pilão (família das lecitidáceas, Lecythis sp.); castanha-do-pará
urtiga (nome dado a várias espécies da família das urticáceas, Laportea sp.)
yṍh
tipiti; muçum (certo tipo de peixe de corpo serpentiforme que vive nos pântanos ou no lodo, teleósteo simbranquiforme da família dos simbranquídeos, Synbranchus marmoratus)
yók
nome dado a dois tipos de lontras (mamíferos da família dos mustelídeos)